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Quem adoece no espaço? Turistas orbitais podem nos dar uma visão melhor

Missão Inspiration4 mostra como os pesquisadores médicos podem beneficiar-se das novas viagens espaciais comerciais

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Kenneth Chang
The New York Times

Médicos estudam astronautas da Nasa cuidadosamente há anos. E, sendo funcionários do governo, os astronautas, na maioria, concordam em cumprir o papel de cobaias no estudo de como um ambiente extraterrestre –o espaço sideral– afeta o corpo humano.

Historicamente, porém, os astronautas profissionais representam apenas um setor muito restrito da humanidade. Inicialmente eles eram selecionados entre as fileiras de pilotos de testes militares, homens brancos e em boa forma física. Mais tarde, quando a Nasa foi ampliando seus critérios, a agência espacial continuou a escolher apenas astronautas que fossem aprovados em seus critérios de aptidão física.

Quatro pessoas com trajes espaciais e braços cruzados à frente do corpo. ao fundo, uma escada amarela
A tripulação da Missão Inspiration4; a partir da esq.: Jared Isaacman (que comprou os lugares para todos no voo), Hayley Arceneaux, Sian Proctor e Chris Sembroski - Reuters

Essa situação pode estar mudando, entretanto, agora que as viagens espaciais privadas começam a abrir espaço para uma representação mais diversificada da humanidade.

Para os cientistas, essa mudança vai abrir todo um manancial de novos dados sobre como o corpo humano se adapta ao espaço sideral.

A missão Inspiration4, que foi lançada e voltou à Terra na semana passada, mostra como os pesquisadores médicos podem beneficiar-se das novas viagens espaciais comerciais. Os quatro tripulantes da missão, nenhum dos quais é astronauta profissional, passaram algum tempo em órbita ajudando a ampliar as fronteiras da pesquisa médica.

Uma das passageiras, Hayley Arceneaux, exemplifica essas possibilidades. Com 29 anos de idade, ela é mais jovem que a maioria dos viajantes no espaço, é sobrevivente de um câncer e foi a primeira portadora de uma prótese (em seu caso, pinos metálicos implantados após a retirada de um tumor de sua perna esquerda) a viajar no espaço.

“Vamos descobrir algumas coisas muito fundamentais”, comentou Dorit Donoviel, diretora executiva do Translational Research Institute for Space Health, ou Trish, do Baylor College of Medicine, em Houston, que coordenou as pesquisas durante o voo da Inspiration4.

As pesquisas conduzidas até agora revelaram que na ausência de gravidade, os fluidos corporais se deslocam para cima no corpo, provocando edemas na cabeça e encolhimento dos membros inferiores. A falta de gravidade também enfraquece os ossos. Não apenas a radiação no espaço impacta o DNA, gerando mutações, como as condições incomuns de ausência de peso ativam alguns genes e desativam outros. As repercussões biológicas dessas alterações ainda não são conhecidas.

Os tripulantes da Inspiration4 fariam dez testes criados originalmente para avaliar diariamente a performance mental dos astronautas da Nasa. Os testes levam cerca de 20 minutos para ser completados.

Quatro tripulantes da missão Inspiration4, duas mulheres e dois homens, durante viagem a bordo da cápsula
Tripulantes da missão Inspiration4, da empresa SpaceX, durante viagem a bordo da cápsula Crew Dragon - 16.set.2021 / AFP

“Precisava ser rápido, porque os astronautas odeiam fazer coisas desse tipo”, comentou Mathias Basner, professor de psiquiatria da Universidade da Pensilvânia e pesquisador chefe desse experimento.

Mas, em um ambiente de alto risco como é o espaço, pequenos erros podem provocar catástrofes.

“Por isso mesmo é preciso que nossos astronautas tenham desempenho ótimo o tempo todo”, disse Basner. “O problema é que os humanos deixam muito a desejar quando se trata de autoavaliar sua capacidade de desempenho, especialmente em situações de exposição crônica. Se você fica sentado no mesmo ambiente o tempo todo, pensa que vai ficar muito bem, mas na realidade não fica.”

Um teste consiste simplesmente em um quadrado que aparece numa tela e a pessoa precisa tocá-lo. O quadrado muda de posição e vai ficando progressivamente menor. Esse teste mede a velocidade de reação e a coordenação entre olhos e mão.

Outro teste mede a chamada vigilância psicomotora. Primeiro a pessoa que faz o teste olha para um box na tela. Um cronômetro aparece de repente dentro do box, contando os milésimos de segundos até a pessoa apertar um botão. “Que é altamente sensível à privação de sono”, comentou Basner.

Ainda outro teste avalia a capacidade de identificar as emoções de outras pessoas.

O teste apresenta 20 rostos que manifestam emoções diversas — felicidade, tristeza, raiva, medo ou emoção nenhuma. Em um chamado estudo de repouso (passar períodos extensos de tempo deitado imita muitos dos efeitos físicos da ausência de peso no espaço), as pessoas ainda foram capazes de identificar a maioria das emoções corretamente. Mas levaram mais tempo para identificá-las, e reagiram mais imediatamente a expressões negativas.

Mark J. Shelhamer, professor da Johns Hopkins Medicine, está colhendo informações sobre como os voos espaciais afetam o sistema vestibular –as partes do corpo humano, especialmente a orelha interna, que conservam o equilíbrio.

Sua pesquisa é composta de duas partes, conduzidas antes do lançamento da nave e após seu retorno à Terra. Em uma delas foi medida a postura dos tripulantes. “É exatamente o que parece”, disse Shelhamer: “a capacidade da pessoa de se levantar. E a capacidade de levantar-se é baseada não apenas na força muscular, mas também na coordenação.”

Os tripulantes da Inspiration4 tiveram que segurar um tablet Windows encostado ao peito, ficar de pés juntos e fechar os olhos. Aceleradores no tablet mediram sua oscilação quando eles se puseram de pé.

“Não é difícil fazer isso na Terra, mas pode ser mais difícil depois de a pessoa ter passado algum tempo no espaço”, explicou Shelhamer.

Ele criou outro teste usando um tablet para estudar se a ausência de peso leva os olhos a ficar desalinhados. Isso poderia dar pistas sobre como o cérebro pode ficar confuso, perturbando o senso de equilíbrio.

Os pesquisadores querem descobrir como prever quem pode adoecer no espaço. Surpreendentemente, não há correlação entre pessoas que sentem enjoo na Terra –quando estão num barco em movimento, durante uma viagem longa de carro ou mesmo em episódios curtos de flutuação durante voos aéreos parabólicos– e as quem ficam enjoadas em órbita.

Além disso, os tripulantes da Inspiration4 usaram relógios Apple que mediram seus batimentos cardíacos e níveis de oxigênio. Também testaram dispositivos de ultrassom que monitoraram como a água no corpo se move para o alto quando a pessoa flutua em órbita. Isso pode ajudar a resolver o enigma do achatamento de globos oculares e a mudança resultante de visão sofrida por alguns astronautas.

Tradução de Clara Allain

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