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Os cientistas que acreditam que o Universo não tem um princípio e desafiam noção de tempo e espaço

É possível que o Big Bang tenha sido apenas mais um evento na história de um universo infinito?

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Carlos Serrano
BBC News Brasil

Quando alguém pergunta qual foi o princípio do universo, o Big Bang é a primeira resposta que vem à sua mente?

Então saiba que alguns cientistas questionam que esse tenha sido o começo de tudo —e que existe até um jovem pesquisador que vai mais além e afirma que talvez nem tenha havido um começo de tudo.

Ilustração mostra círculo preto com luz amarela em volta
Getty

​Trata-se de Bruno Bento, pesquisador português do Departamento de Ciências Matemáticas da Universidade de Liverpool, no Reino Unido. Bento é coautor de um artigo acadêmico intitulado If time had no beginning ("Se o tempo não tivesse começo", em tradução livre), que ainda está sendo revisado por outros especialistas.

Ilustração do espaço sideral
O Big Bang é a nossa visão tradicional da origem do universo - Getty

Sua teoria é diferente do nosso conceito tradicional da passagem do tempo. Ele propõe a existência de um passado infinito e considera o Big Bang apenas um evento a mais na história do cosmos, que sempre existiu.

No que consiste a proposta de Bento e como ela desafia o que sabemos sobre a evolução do universo?

Para além da singularidade

A física moderna apresenta duas teorias que nos ajudam a explicar o universo.

Ilustração mostra buraco negro
A singularidade é o limite em que a relatividade já não consegue explicar o que acontece - Getty

De um lado, está a mecânica quântica, que descreve as interações e as partículas subatômicas. E, de outro, está a relatividade geral, que serve para explicar muito bem a gravidade que rege tudo o que acontece no mundo macroscópico.

A teoria da relatividade geral nos leva até 13,8 bilhões de anos atrás, nos instantes imediatamente seguintes ao Big Bang, quando tudo existia em escalas diminutas.

Mas essa teoria de Einstein falha quando tenta explicar o que aconteceu no momento exato do Big Bang ou o que ocorreu antes desse momento. A isso os especialistas denominam "singularidade", ou seja, o ponto em que a teoria da relatividade já não consegue explicar o que aconteceu.

Ilustração mostra estrela brilhante no espaço
Nos instantes imediatamente seguintes ao Big Bang, tudo existia em escalas diminutas - Getty

Nessa singularidade, a matéria está tão comprimida que a gravidade se torna extremamente forte em escalas subatômicas. Seria então necessária uma teoria que unificasse a mecânica quântica e a relatividade geral para explicar o que aconteceu durante essa singularidade e antes que ela ocorresse.

Essa teoria já é chamada pelos cientistas de teoria quântica da gravidade. Nela, a gravidade poderá ser explicada em nível quântico, ajudando a descrever o que ocorre nessas escalas. É nesse ponto que entra a proposta de Bruno Bento.

Ilustração da terra e do sol
O pesquisador português Bruno Bento desafia a ideia tradicional do espaço-tempo - Getty

Átomos do espaço-tempo

No seu artigo, Bruno Bento recorre à teoria dos conjuntos causais, que é um enfoque da gravidade quântica que defende que o espaço-tempo é formado por blocos de construção, chamados de "átomos de espaço-tempo", que formam elementos.

Desta forma, a teoria de conjuntos causais resolve a questão da singularidade, pois, segundo essa visão, não pode haver nada menor que um átomo de espaço-tempo.

Ilustração em fundo preto com pontos e linhas em azul
A teoria de conjuntos causais é baseada no conceito de "átomos de espaço-tempo" - Getty

"Segundo a teoria de conjuntos causais, o que percebemos como o passar do tempo corresponde ao nascimento de novos elementos do conjunto causal", declarou Bento à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC).

"O que chamamos de 'agora' é o nascimento de um novo elemento."

Não existe um começo

O trabalho de Bento parte dessa ideia para propor que os conjuntos causais foram sendo formados infinitamente. Por isso, o Big Bang não seria o começo do universo.

Para ele, sempre existiu alguma coisa antes, ou seja, os conjuntos causais seriam infinitos no passado e o Big Bang seria apenas um momento específico da evolução do universo.

"O nosso trabalho afirma que, se os conjuntos causais são a resposta, nós não temos necessariamente um começo", segundo Bento.

O desafio proposto por Bruno Bento é abandonar a ideia de "sequência", em que um elemento dá lugar a outro.

Em destaque, imagem mostra a sombra de uma pessoa com os braços erguidos e abertos no alto de um uma montanha
Para Bruno Bento, "não temos necessariamente um começo" - Getty

Em substituição, ele sugere a ideia de "transformação assincrônica", segundo a qual os elementos nascem de forma parcial e não total.

No seu artigo, o pesquisador reconhece que a ideia de "transformação assincrônica" soa como um "enigma fantasioso" e que "é necessário um novo tipo de matemática para entender a 'transformação assincrônica' e suas consequências para a natureza do tempo".

Ilustração em tom roxo mostra espaço sideral
Bento defende que o Big Bang teria sido um momento da evolução do universo, não o seu princípio - Getty

O trabalho de Bento "fornece os primeiros passos para estabelecer a compreensão matemática do Big Bang e sua possível história anterior", segundo declarou à BBC News Mundo o astrofísico Niayesh Afshordi, pesquisador do Instituto Perímetro de Física Teórica, no Canadá, que não participou desse trabalho.

Bruno Bento espera que experimentos futuros possam comprovar as consequências de modelos como o proposto por ele.

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