Descrição de chapéu África

Pegadas misteriosas na Tanzânia são de ancestral humano desconhecido

Cientistas pensavam que marcas seriam de urso; novo estudo indica que foram feitas por hominínio há 3,66 milhões de anos

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Will Dunham
Reuters

Cinco pegadas fósseis deixadas em cinza vulcânica na Tanzânia 3,66 milhões de anos atrás estão oferecendo a cientistas uma nova visão de um marco na evolução humana —o andar ereto—, ao mesmo tempo mostram que suas origens são mais complexas do que era sabido até agora.

Pesquisadores disseram nesta quarta-feira (1º) que uma nova análise aprofundada das pegadas, feita quase meio século após a descoberta delas, revelou que foram feitas não por um urso, como se pensou originalmente, mas por um hominínio —em outras palavras, uma espécie da linhagem humana—, possivelmente até agora desconhecido.

As pegadas revelam um modo de andar curioso, o que aumenta o mistério em torno delas.

Grupo de pessoas agachadas olhando para pontos no solo em um local bastante ensolarado, com vegetação rasteira
Pesquisadores no local onde estão as pegadas de ancestral humano no norte da Tanzânia - Shirley Rubin/Divulgação/Reuters

O bipedalismo —ou seja, locomover-se sobre os dois pés— é uma característica típica da humanidade. Mas cientistas ainda estão juntando as peças do quebra-cabeça de como e quando ele começou.

As pegadas foram encontradas em 1976 num sítio chamado Laetoli, uma paisagem árida a noroeste da cratera de Ngorongoro, no norte da Tanzânia, a cerca de um quilômetro de distância de dois conjuntos de pegadas fósseis encontrados dois anos mais tarde.

As pegadas achadas em 1978 foram atribuídas a um Australopithecus afarensis, um hominínio exemplificado pelo famoso esqueleto descoberto na Etiópia e apelidado de Lucy.

O estudo determinou que os vários rastros encontrados em Laetoli —feitos a dias, horas ou possivelmente minutos uns dos outros, na mesma camada de cinzas— foram criados por duas espécies diferentes de hominínios.

Marca de um pé em um solo cinza
Pegada fossilizada de 3,66 milhões de anos em Laetoli, no norte da Tanzânia - Jeremy DeSilva - 21.jun.2019/Divulgação/Reuters

A paleoantropóloga Ellie McNutt, do Heritage College of Osteopathic Medicine, da Ohio University, e autora principal do estudo publicado no periódico Nature, destacou que os rastros em Laetoli representam a mais antiga evidência inequívoca de locomoção bipedal no registro fóssil humano.

"Houve pelo menos dois hominínios andando de maneiras diferentes, com pés de formato diferente, nesse momento de nossa história evolutiva, mostrando que a aquisição do andar de modo humano foi menos linear do que muitos imaginam", comentou o coautor do estudo, o paleoantropólogo Jeremy DeSilva, do Dartmouth College.

"Em outras palavras, ao longo de nossa história houve experimentos evolutivos distintos de como ser bípede."

Ilustração de Lucy, mulher de 3,5 milhões de anos que foi encontrada em 1974, na África. Ela é um exemplar de Australopithecus afarensis, ancestral humano que desceu da árvore antes do que era estimado por cientistas
Ilustração de Lucy, mulher de 3,5 milhões de anos que foi encontrada em 1974, na África. Ela é um exemplar de Australopithecus afarensis, ancestral humano que desceu da árvore antes do que era estimado por cientistas - 10.fev.11/AFP

As pegadas encontradas em 1976 e reescavadas em 2019 exibem características distintas das que foram descobertas em 1978, em especial um modo de andar denominado "cross-stepping", ou dar passos cruzados.

"O rastro consiste em cinco pegadas bipedais consecutivas. Mas o pé esquerdo cruza sobre o direito, e vice-versa. Ainda não sabemos ao certo o significado disso", disse DeSilva.

"O andar cruzado às vezes ocorre em humanos quando estamos caminhando em terreno irregular. Talvez isso explique essa marcha bizarra. Ou talvez seja apenas esse hominínio individual que caminhava de maneira peculiar. Ou, possivelmente, uma espécie desconhecida de hominínio se adaptou para andar dessa maneira", acrescentou DeSilva.

Com base nas pegadas, os pesquisadores estimam que o indivíduo que as deixou tinha pouco mais de um metro de altura, pressionava o calcanhar fortemente ao andar e tinha um dedão do pé que se projetava levemente para o lado, se bem que não tanto quanto é o caso num chimpanzé.

DeSilva disse que os cientistas só podem especular sobre outros aspectos da aparência e do comportamento desse hominínio ou se ele é um que já foi identificado, como o Kenyanthropus platyops ou o Australopithecus deyiremeda, ou um até agora desconhecido.

A linhagem humana se afastou da linhagem do chimpanzé cerca de 6 milhões a 7 milhões de anos atrás. Um momento chave se deu quando nossos ancestrais adotaram a marcha ereta sobre dois pés, possivelmente para adaptar-se à vida na savana africana.

O bipedalismo exigiu transformações anatômicas, particularmente nos pés, pernas, quadris e coluna, que evoluíram muito antes do surgimento de nossa espécie, Homo sapiens, mais de 300 mil anos atrás.

O sítio de Laetoli é uma área de savana, com acácias espalhadas pela paisagem e girafas e zebras em abundância. Na época em que as pegadas foram deixadas, era um local que guardava muitos perigos para o pequeno hominínio, percorrido pelos ancestrais dos leões, leopardos e hienas modernos, além de felinos dentes-de-sabre hoje extintos.

"Os ancestrais de muitos dos mesmos animais que vivem em Laetoli hoje viviam ali milhões de anos atrás, incluindo, é claro, humanos", disse DeSilva.

Tradução de Clara Allain

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