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Peste negra matou metade da população da Europa? Nova pesquisa diz que não

Cifras superestimam em muito o número real de vítimas, segundo estudo

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Carl Zimmer
The New York Times

Em meados do século 14 uma bactéria transmitida por pulgas e ratos se alastrou rapidamente pela Ásia e Europa, provocando casos mortíferos de peste bubônica. A chamada peste negra foi uma das pandemias mais notórias na memória histórica. Muitos especialistas estimam que ela matou cerca de 50 milhões de europeus, a maior parte da população do continente.

"Os dados amplamente distribuídos e numerosos indicam que a peste negra provavelmente exterminou por volta de 60% da população europeia", escreveu em 2005 o historiador norueguês Ole Benedictow, um dos maiores especialistas na peste negra. Em 2021, quando publicou "The Complete History of the Black Death", ele elevou essa estimativa para 65%.

Mas essas cifras, baseadas em documentos históricos da época, superestimam em muito o número real de vítimas da peste, segundo estudo publicado no último dia 10. Por meio da análise de depósitos antigos de pólen como marcadores de atividade agrícola, pesquisadores alemães constataram que a peste negra provocou uma colcha de retalhos de destruição. Algumas regiões da Europa de fato sofreram mortandade devastadora, mas outras regiões se mantiveram estáveis e ainda outras chegaram a prosperar.

Em meados do século 14 uma bactéria transmitida por pulgas e ratos se alastrou rapidamente pela Ásia e Europa, provocando casos mortíferos de peste bubônica - Mika Rajaonarison - 16.out.2013/Xinhua

"Não podemos continuar a dizer que a peste matou metade da Europa", disse Adam Izdebski, historiador ambiental do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, em Jena, Alemanha, e autor do novo estudo.

No século 14 a maioria dos europeus trabalhava na agricultura, que envolvia trabalho braçal intensivo para produzir colheitas. Se metade de todos os europeus tivesse morrido entre 1347 e 1352, a atividade agrícola teria sido drasticamente reduzida.

"Metade da força de trabalho teria desaparecido de uma hora para outra", disse Izdebski. "Não seria possível manter o mesmo nível de utilização da terra. Seria impossível continuar cultivando muitos campos."

A perda de metade da população teria convertido muitas fazendas em campos incultos. Sem pastores suficientes para cuidar do gado, os pastos teriam sido invadidos por mato. Arbustos e árvores teriam tomado conta dessas áreas e, com o tempo, teriam dado lugar a florestas maduras.

Izdebski e seus colegas calcularam que, se a peste negra tivesse de fato provocado uma transformação dessa natureza, eles deveriam poder detectá-las nas espécies de pólen que sobreviveram da Idade Média. Todos os anos, plantas liberam quantidades imensas de pólen no ar, e parte desse pólen acaba no fundo de lagos e pântanos. Soterrados no lodo, os grãos podem sobreviver por séculos.

Cientistas identificam possível 'paciente zero' da peste bubônica - Dominik Goldner BGAEU, Berlin/AFP

Para descobrir o que o pólen tinha a dizer sobre a peste negra, Izdebski e seus colegas selecionaram 261 sítios em toda a Europa –desde Irlanda e Espanha, no oeste, até Grécia e Lituânia, no leste— que continham grãos preservados datando de aproximadamente entre 1250 e 1450.

Em algumas regiões, como a Grécia e a Itália central, o pólen contou uma história de devastação. O pólen de espécies como o trigo diminuíra muito. Dentes-de-leão e outras flores de áreas de pastagem haviam sumido. Apareceram árvores de crescimento rápido, como faias, seguidas por outras que crescem lentamente, como carvalhos.

Mas a mesma coisa não se deu em toda a Europa. Na realidade, apenas 7 das 21 regiões estudadas pelos pesquisadores passaram por mudanças catastróficas. Em outros lugares o pólen registrou pouca ou nenhuma mudança.

Na realidade, a paisagem mudou no sentido contrário em regiões como Irlanda, Espanha central e Lituânia. O pólen de florestas maduras rareou, enquanto o pólen vindo de áreas agrícolas e de pastagem ficou ainda mais comum. Em alguns casos, duas regiões contíguas seguiram rumos diferentes, com o pólen sugerindo que uma se convertera em floresta enquanto a outra passara a ser cultivada.

Embora essas descobertas sugiram que a peste negra não foi tão catastrófica quanto argumentam muitos historiadores, os autores do novo estudo não propuseram uma nova cifra de baixas reais da pandemia. "Não nos sentimos em condições de dar um palpite", disse Timothy Newfield, historiador de doenças na Georgetown University e um dos colaboradores de Izdebski.

Alguns historiadores independentes disseram que o novo estudo abrangendo todo o continente corresponde aos resultados de suas próprias pesquisas sobre locais europeus específicos. Por exemplo, a bioantropóloga Sharon DeWitte, da Universidade da Carolina do Sul, descobriu que restos esqueletais de Londres durante o período mostraram evidências de um número modesto de vítimas feitas pela pandemia. Isso a levou a especular se teria sido esse o caso com outras partes da Europa.

"Uma coisa é fazer uma suposição razoável e outra inteiramente é apresentar evidências, como fizeram esses autores", disse DeWitte. "É realmente interessante."

Arqueólogo trabalha numa vala em que se acredita ser para vítimas da peste negra - Crossrail - 15.mar.2013/AFP

Mas outros especialistas não se deixaram convencer pelo novo estudo. John Aberth, autor de "The Black Death: A New History of the Great Mortality", disse que o estudo não muda sua opinião de que cerca de metade da população da Europa morreu.

Ele disse que duvida que a peste possa ter poupado regiões inteiras da Europa ao mesmo tempo em que devastava outras.

"As regiões eram altamente interligadas, mesma na Idade Média, pelo comércio, viajantes e migração", disse Aberth. "Por isso não acredito que regiões inteiras possam ter escapado da peste."

Aberth também questionou se o fato de uma região passar a produzir pólen de plantas cultivadas significa necessariamente que sua população estivesse crescendo. Ele especulou que as pessoas podem ter sido exterminadas pela peste negra, mas que seu lugar pode ter sido tomado por imigrantes que ocuparam as terras vazias.

"A chegada de migrantes pode ter compensado pelas perdas demográficas", ele aventou.

Izdebski reconheceu que havia migrações na Europa na época da peste bubônica, mas argumentou que o número documentado de migrantes era baixo demais para repor metade da população.

E ele destacou que ondas enormes de migrantes teriam que haver chegado de outras partes da Europa cujas populações também teriam supostamente sido dizimadas pela peste negra.

"Se era preciso que chegassem centenas de milhares de pessoas, de onde elas viriam, se metade da população de toda parte teria morrido?", ele perguntou.

A historiadora independente Monica Green, de Phoenix, especulou que a peste negra pode ter sido provocada por duas cepas da bactéria Yersinis pestis, o que pode ter provocado níveis diferentes de devastação. O DNA de Yersinia pestis colhido de esqueletos medievais aponta para essa possibilidade, segundo ela.

Em seu estudo, Izdebski e seus colegas não consideraram essa possibilidade, mas levaram em conta uma série de outros fatores, incluindo o clima e a densidade demográfica de diferentes partes da Europa. Nenhum desses fatores, porém, pôde explicar o padrão que eles encontraram.

"Não existe explicação simples que dê conta disso, nem sequer um conjunto de explicações simples", disse Izdebski.

Tradução de Clara Allain

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