Descrição de chapéu The New York Times

Arte rupestre na Amazônia mostrou animais da Era do Gelo?

Imagens pintadas em ocre na Colômbia podem incluir criaturas antigas; pesquisadores contestam origem

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Becky Ferreira
The New York Times

No final da última era do gelo, a América do Sul era habitada por animais estranhos que desde então entraram em extinção: preguiças-gigantes, herbívoros semelhantes a elefantes e uma linhagem antiga de cavalos.

Um novo estudo sugere que podemos ver esses animais extintos em pinturas encantadoras de ocre feitas por humanos da era do gelo num afloramento rochoso na Amazônia colombiana.

Os indígenas que habitam a área conheciam há muito tempo as pinturas rupestres deslumbrantes de Serranía de la Lindosa, um sítio na margem do rio Guayabero, mas, devido à guerra civil colombiana, elas eram virtualmente inacessíveis a pesquisadores.

Expedições recentes lideradas pelo arqueólogo José Iriarte, da Universidade de Exeter, na Inglaterra, reacenderam o interesse e as discussões sobre a interpretação a ser feita dos animais nas pinturas.

Pinturas rupestres amazônicas podem ser de mamíferos da Era do Gelo - Iriarte et al., Royal Society B 2022 via The New York Times

"Toda a biodiversidade da Amazônia está pintada ali", disse Iriarte –animais e plantas aquáticos e terrestres, além de "animais que são muito interessantes e aparentam ser mamíferos de grande porte da Era do Gelo".

Iriarte e seus colegas integram um projeto que estuda a chegada de humanos na América do Sul. Em um estudo publicado no periódico Philosophical Transactions of the Royal Society B, eles defendem o argumento de que a arte rupestre retrata megafauna da Era do Gelo. Mas, como o próprio estudo reconhece, a identificação de animais extintos em arte rupestre é controversa –e o sítio de La Lindosa não constitui exceção.

Ekkehart Malotki, professor emérito de línguas na Northern Arizona University e autor de pesquisas sobre petróglifos que retratam megauna extinta, descreveu em email as afirmações da equipe de pesquisadores como "ilusão". Para ele, a interpretação que liga as pinturas à Era do Gelo é fruto de uma interpretação puramente visual que dá lugar a palpites.

Os arqueólogos Fernando Urbina e Jorge Peña, da Universidade Nacional da Colômbia, também rejeitam a hipótese de que as pinturas remontam à Era do Gelo. Eles argumentaram em 2016 que muitas cenas de La Lindosa podem mostrar animais introduzidos pelos europeus, de modo que teriam apenas alguns séculos de idade.

Malotki sugeriu também que o estado excepcional de preservação da arte pintada nas rochas, apesar de estar exposta ao sol, chuva e ventos, seja um indício de que sua origem não é tão distante.

Urbina disse em email que essas disputas podem ser resolvidas ainda este ano, quando as estimativas sobre a idade das pinturas serão aprimoradas.

Uma das imagens mais evocativas em La Lindosa é de um animal atarracado com um pequeno filhote atrás. Observando o corpo e as garras idiossincráticas da figura, a equipe de Iriarte acredita que essas imagens representam uma preguiça-gigante com seu filhote.

A possível preguiça-gigante, no topo, com reconstruções artísticas modeladas a partir de um parente vivo próximo, a preguiça-de-três-dedos, no centro. O painel inferior considera se o desenho era de uma espécie extinta de urso, Arctotherium, padronizando-o a partir de seu parente vivo mais próximo, o urso-de-óculos - Iriarte et al., Royal Society B 2022 via The New York Times; desenhos de Mike Keesey

"Este animal é extremamente diferente de milhares de outras pinturas no que diz respeito à sua prevalência e representação anatômica", disse Michael Ziegler, doutorando do Instituto Max Planck de Ciência da História Humana e co-autor do novo estudo, acrescentando que a pintura oferece possível evidência de interações entre exemplares da megafauna da Era do Gelo e humanos.

Os pesquisadores também identificaram nas pinturas outras possíveis espécies extintas, incluindo animais aparentados com elefantes, camelos, cavalos e mamíferos ungulados bizarros da família Litopterna.

Onde a equipe de Iriarte enxerga potenciais preguiças-gigantes e cavalos do Pleistoceno, Urbina e Peña enxergam capivaras e cavalos modernos. Malotki disse que a pintura que a equipe de Iriarte acredita ser de possíveis animais aparentados com os elefantes, conhecidos como gonfotéridos, não tem "absolutamente nenhuma semelhança" com os animais extintos.

Uma possível pintura de gonfotéridos em La Lindosa, em cima, e uma reconstrução artística, abaixo - Iriarte et al., Royal Society B 2022; desenhos de Mike Keesey

Iriarte e seus colegas rebatem essas críticas, apontando para as evidências arqueológicas e paleontológicas de que os humanos coexistiram com alguns desses grandes animais da Era do Gelo antes de eles entrarem em extinção. Também observam que ocre foi encontrado em sedimentos depositados em La Lindosa durante a Era do Gelo, sugerindo que a arte rupestre pode ser desse período.

"Temos alto grau de certeza de que eles já pintavam havia muito tempo", disse Iriarte.

"A interpretação de imagens de arte rupestre sempre pode ser discutida, especialmente quando se argumenta que elas representam animais extintos", comentou em email o professor de arqueologia e antropologia Paul Tacon, da Griffith University, na Austrália.

"Neste caso, há argumentos fortes, baseados em várias linhas de evidência, a favor da ideia de que algumas pinturas que sobrevivem na Amazônia colombiana sejam de megafuna extinta do final do Pleistoceno ou início do Holoceno", ele acrescentou. "O próximo desafio será datar as pinturas cientificamente, para apoiar ou refutar essa hipótese."

Se esses esforços acabarem confirmando a origem na Era do Gelo, as pinturas de La Lindosa podem ter captado um vislumbre raro e fugaz de animais fadados a cair no esquecimento, abrindo uma janela estranha para os ecossistemas perdidos do passado e as pessoas que os habitavam. Mesmo que a arte seja muito mais recente, vai ajudar os pesquisadores a entender as culturas que se desenvolveram nessa floresta exuberante.

"Em Serranía de la Lindosa, as pessoas que fizeram as pinturas retrataram coisas que eram importantes para elas e que certamente deviam estar associadas a relatos, à partilha de conhecimentos e a aspectos da vida doméstica e também espiritual", disse Tacon.

Tradução de Clara Allain

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