Descrição de chapéu The New York Times Rússia

Guerra freia lançamento de satélites por atritos com agência espacial russa

Empresa OneWeb, que tem participação do governo britânico, será impactada; foguete teve bandeiras britânicas, americanas e japonesas cobertas

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Joey Roulette
The New York Times

A empresa de internet por satélite OneWeb, pertencente em parte ao governo britânico, cancelou o lançamento próximo de um satélite que seria feito com um foguete russo e suspendeu todos os lançamentos futuros dependentes da Rússia. O anúncio foi feito pela empresa na quinta-feira (3) após um tenso enfrentamento público com a agência espacial russa, Roscosmos.

Também na quinta-feira a Roscosmos anunciou que vai parar de vender motores de foguete a firmas americanas.

Tomadas em consequência da invasão da Ucrânia por Moscou, as medidas devem isolar ainda mais a agência espacial russa de seus parceiros espaciais ocidentais e limitar fortemente as atividades espaciais privadas da Rússia. Para a OneWeb, que visava completar ainda este ano sua constelação de 648 satélites em órbita, a perda de um fornecedor confiável de foguetes para lançamentos cria dificuldades inusitadas.

Dois homens sentados frente a frente, com mesa entre eles, dentro de avião
O presidente russo Vladimir Putin junto ao diretor do programa espacial russo Dmitry Rogozin - 04.set.2021 - Alexey Druzhinin/Sputnik/AFP

A OneWeb foi salva da falência em 2020 pelo governo britânico e outros investidores. A empresa previa lançar 36 satélites na sexta-feira de um foguete russo Soyuz que decolaria do Cazaquistão. Desde 2019 a companhia já colocou cerca de 400 satélites em órbita, todos usando foguetes Soyuz, extremamente robustos e que estão em uso desde os tempos da corrida espacial da Guerra Fria.

Mas na quarta-feira (2), logo depois de o Soyuz ter sido levado à plataforma de lançamento, Dmitry Rogozin, diretor do programa espacial russo, anunciou duas condições que visam revidar as sanções impostas à Rússia devido à invasão da Ucrânia: a agência espacial não levaria a missão dos satélites adiante a não ser que o Reino Unido se desfizesse de sua participação de bilhões de dólares na OneWeb e que a empresa desse "garantias de que seus satélites não seriam utilizados para fins militares".

Rogozin postou um vídeo no Twitter mostrando funcionários da Roscosmos numa plataforma ao lado do foguete, cobrindo bandeiras britânicas, americanas e japonesas estampadas na parte externa do foguete. "Os lançadores em Baikonur decidiram que nosso foguete ficaria mais bonito sem as bandeiras de certos países", disse Rogozin, ex-vice-primeiro ministro que frequentemente divulga falas bombásticas nas redes sociais.

Emitido três dias antes do lançamento planejado, o ultimato da agência especial levou a discussões emergenciais entre autoridades britânicas e acionistas da OneWeb, que na noite de quarta-feira decidiram cessar todos os lançamentos futuros de Baikonur, o cosmódromo no Cazaquistão de onde a Rússia faz a maioria de seus lançamentos. Rogozin sugeriu no Twitter que a decisão da OneWeb vai mergulhar a empresa em mais um processo de falência.

Chris McLaughlin, diretor de assuntos governamentais da OneWeb, descartou o aviso.

"Esta é uma empresa muitíssimo bem financiada, sem dívidas, que tem o respaldo de acionistas internacionais poderosos que tomaram a decisão, eles próprios", ele disse.

Foguete é removido de uma plataforma de lançamento após o lançamento ter sido cancelado no Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão - Roscosmos/via Reuters

O Reino Unido não possui capacidade própria de lançar grandes cargas em órbita. McLaughlin disse que a OneWeb vai analisar outras opções de provedores de lançamentos, no Japão, Índia e Estados Unidos.

"Sempre ficamos atentos para o universo dos lançadores, mas esta é uma situação totalmente nova e sem precedentes", disse McLaughlin.

A empresa foi salva da falência em 2020 pela indiana Bharti Enterprises, sua maior acionista, e pelo governo britânico, cujo investimento público de US$ 500 milhões na operadora de satélites foi feita para incentivar a economia espacial britânica. Sem foguetes dos quais lançar seus satélites, o objetivo da OneWeb de completar sua megaconstelação ficará seriamente comprometido. A empresa está concorrendo com a constelação Starlink, da SpaceX, para transmitir internet de banda larga para regiões remotas em todo o mundo.

A OneWeb já havia sido pressionada por políticos britânicos a seguir o exemplo de empresas de energia, cortando seus laços de negócios com a Rússia. Ela pagou por seus lançamentos russos ao atacado através da empresa de foguetes francesa Arianespace e, pelo contrato firmado, ainda tinha seis missões restantes pagas, num valor que provavelmente chega a centenas de milhões de dólares.

Nos próximos dias a OneWeb deve iniciar negociações com a Arianespace para determinar se e como poderá recuperar o dinheiro das missões suspensas com o Soyuz, segundo um funcionário da empresa que pediu anonimato para falar de deliberações que não está autorizado a divulgar. Ele acrescentou que os executivos da OneWeb não sabem ao certo quando ou como os 36 satélites que se encontram na Rússia no momento para a missão prevista para esta sexta-feira e agora cancelada serão tirados do foguete, nem onde serão guardados enquanto a OneWeb procura um provedor diferente de lançamentos.

A iniciativa da Rússia de paralisar os negócios de uma das maiores clientes comerciais de sua agência espacial talvez seja o maior exemplo até agora de como a guerra na Ucrânia está chegando até o espaço, uma área na qual a Rússia há décadas coopera com países que foram seus adversários na Guerra Fria.

Na semana passada a Roscosmos retirou mais de 80 profissionais russos da Guiana Francesa, onde a Agência Espacial Europeia tem sua única plataforma de lançamentos e de onde lança missões comerciais com foguetes Soyuz. Então a agência europeia anunciou que uma missão robótica conjunta dela e da Rússia prevista para ser lançada este ano com destino a Marte agora tem muito poucas chances de partir no prazo previsto. E na quinta-feira a Roscosmos anunciou que vai deixar de cooperar com a Alemanha em projetos conjuntos de pesquisa na estação espacial.

Com a enxurrada de sanções impostas pelo Ocidente devido à invasão, pareceu inevitável que a Roscosmos ficasse isolada de seus parceiros ocidentais, disse Victoria Samson, analista de política espacial na Secure World Foundation.

"O fato de a agência espacial russa estar se autoisolando não é bom sinal", ela disse. "Talvez seja apenas que a Rússia está se adiantando ao corte de vínculos que poderia ocorrer de qualquer maneira em breve. Mas agora isso está sendo feito nos termos dela."

A Nasa, que administra a Estação Espacial Internacional conjuntamente com a Roscosmos, disse que pretende continuar a cooperar com suas contrapartes russas. As duas parceiras vinham negociando um acordo para lançar astronautas russos no Crew Dragon, veículo da SpaceX que transporta astronautas da Nasa.

Além da cooperação com a Nasa, a Rússia disse na quinta-feira que vai suspender a venda de motores de foguete a empresas americanas.

"Numa situação como esta, não podemos fornecer os melhores motores de foguete do mundo aos Estados Unidos", disse Rogozin na televisão estatal russa. "Deixe que eles voem em outra coisa. Que voem em seus cabos de vassoura, sei lá."

O congelamento pode afetar mais seriamente a Northrop Grumman, que usa motores de fabricação russa em seu veículo de lançamento Antares, que transporta cargas à estação espacial para a Nasa. A SpaceX também presta esse serviço à estação espacial, assim como naves espaciais lançadas pelo Japão e a Rússia.

Tradução de Clara Allain

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