Descrição de chapéu The New York Times

Implante cerebral permite que paciente totalmente paralisado se comunique

Sistema desenvolvido na Alemanha traduz pensamento de homem, letra por letra, para formar frases

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Jonathan Moens
The New York Times

Em 2020, Ujwal Chaudhary, engenheiro biomédico então na Universidade de Tübingen (Alemanha) e no Centro Wyss de Bio e Neuroengenharia em Genebra (Suíça), observou seu computador espantado quando um experimento no qual havia investido anos se esclareceu. Um homem paralítico de 34 anos estava deitado de costas no laboratório, com a cabeça conectada por um cabo a um computador. Uma voz sintética em alemão pronunciava letras: "E, A, D…".

O paciente tinha sido diagnosticado alguns anos antes com ELA (esclerose lateral amiotrófica), doença que causa a degeneração progressiva das células cerebrais envolvidas no movimento. O homem tinha perdido a capacidade de mover até mesmo os globos oculares, e era totalmente incapaz de se comunicar; em termos médicos, estava com a síndrome de encarceramento (quando o corpo está paralisado, mas a função mental é mantida).

Ou assim parecia. Através do experimento de Chaudhary, o homem aprendeu a selecionar —não diretamente com os olhos, mas imaginando que seus olhos se moviam— letras individuais do fluxo constante que o computador pronunciava em voz alta. Letra por letra, uma por minuto, mais ou menos, ele formulou palavras e frases.

Ilustração de uma cabeça humana, com destaque para o cérebro e ondas cerebrais pairando sobre ela
No estudo, neurotransmissores foram instalados no cérebro do paciente, que imaginava o movimento dos olhos para escolher as letras faladas pelo computador - Andrea Danti - stock.adobe.com

"Wegen essen da wird ich erst mal des curry mit kartoffeln haben und dann bologna und dann gefuellte und dann kartoffeln suppe", ele escreveu a certa altura: "Para comer, quero curry com batata, depois mortadela e sopa de batata".

Chaudhary e seus colegas ficaram estupefatos. "Eu mesmo não conseguia acreditar que fosse possível", lembrou Chaudhary, que hoje é diretor administrativo da ALS Voice gGmbH, empresa de neurobiotecnologia com sede na Alemanha, e não trabalha mais com o paciente.

O estudo, publicado terça-feira (22) na Nature Communications, oferece o primeiro exemplo de um paciente totalmente paralisado se comunicando extensamente com o mundo exterior, disse Niels Birbaumer, líder do estudo e ex-neurocientista na Universidade de Tübingen, hoje aposentado.

Chaudhary e Birbaumer realizaram dois experimentos semelhantes em 2017 e 2019 em pacientes que estavam completamente paralisados e relataram que eles eram capazes de se comunicar. Ambos os estudos foram rejeitados depois que uma investigação da Fundação Alemã de Pesquisa concluiu que os pesquisadores gravaram apenas parcialmente em vídeo os exames de seus pacientes, não mostraram adequadamente os detalhes de suas análises e fizeram afirmações falsas.

A Fundação Alemã de Pesquisa, ao concluir que Birbaumer cometeu má conduta científica, impôs algumas de suas sanções mais severas, incluindo a proibição de apresentar propostas e atuar como revisor da fundação durante cinco anos.

A agência concluiu que Chaudhary também cometeu má conduta científica e impôs as mesmas sanções por um período de três anos. Tanto ele quanto Birbaumer foram solicitados a revogar seus dois trabalhos, e eles se recusaram.

A investigação veio depois que um denunciante, o pesquisador Martin Spuler, levantou dúvidas sobre os dois cientistas em 2018.

Birbaumer manteve as conclusões do estudo e tomou medidas legais contra a Fundação Alemã de Pesquisa. Os resultados do processo devem ser publicados nas próximas duas semanas, disse Marco Finetti, porta-voz da fundação. Chaudhary disse que seus advogados esperam ganhar o caso.

A Fundação Alemã de Pesquisa não tem conhecimento da publicação do estudo atual e irá investigá-lo nos próximos meses, disse Finetti. Em um e-mail, um representante da Nature Communications, que pediu para não ser identificado, se recusou a comentar os detalhes de como o estudo foi julgado, mas expressou confiança no processo.

"Temos políticas rigorosas para salvaguardar a integridade das pesquisas que publicamos, inclusive para garantir que sejam conduzidas com elevado padrão ético e relatadas de forma transparente", disse o representante.

"Eu diria que é um estudo sólido", disse Natalie Mrachacz-Kersting, pesquisadora de interface cérebro-computador na Universidade de Freiburg, na Alemanha. Ela não participou do estudo e estava ciente dos documentos antes rejeitados.

Mas Brendan Allison, pesquisador na Universidade da Califórnia em San Diego, expressou reservas. "Este trabalho, como outros de Birbaumer, deve ser encarado com enorme desconfiança, dado o histórico dele", disse Allison. Este observou que num artigo publicado em 2017 a equipe do pesquisador havia descrito que conseguiu se comunicar com pacientes completamente paralisados com respostas básicas, "sim" e "não".

Os resultados são promissores para pacientes em situações semelhantes sem resposta, incluindo estados minimamente conscientes e comatosos, bem como o número crescente de pessoas diagnosticadas com ELA em todo o mundo a cada ano. Esse número chegará a 300 mil em 2040, segundo projeções.

"É um divisor de águas", disse Steven Laureys, neurologista e pesquisador que lidera o Grupo de Ciência do Coma na Universidade de Liège, na Bélgica, e não participou do estudo. A tecnologia pode ter ramificações éticas nas discussões em torno do suicídio assistido por médico para pacientes em estados vegetativos ou com síndrome de encarceramento, acrescentou. "É muito bom ver isso avançando, dando voz aos pacientes" para que tomem decisões próprias.

Vários métodos têm sido usados para a comunicação com pacientes que não respondem. Alguns envolvem métodos básicos com caneta e papel criados por parentes. Em outros, um cuidador aponta ou fala os nomes dos itens e procura por microrrespostas —piscar de olhos, contração dos dedos do paciente.

Nos últimos anos, um novo método ganhou precedência: tecnologias de interface cérebro-computador, que pretendem traduzir em comandos os sinais cerebrais de uma pessoa. Institutos de pesquisa, empresas privadas e bilionários empreendedores como Elon Musk investiram pesadamente na tecnologia.

Os resultados foram mistos, mas convincentes: pacientes moveram membros protéticos usando apenas seus pensamentos, e aqueles com derrames, esclerose múltipla e outras condições se comunicaram novamente com seus entes queridos.

O que os cientistas não conseguiram fazer até agora, entretanto, é comunicar-se extensivamente com pessoas como o homem do novo estudo, que não apresentava nenhum movimento.

Em 2017, antes de ficar totalmente paralisado, o paciente usava movimentos dos olhos para se comunicar com a família. Prevendo que em breve ele perderia essa capacidade, a família pediu um sistema de comunicação alternativo e procurou Chaudhary e Birbaumer, pioneiros no campo da tecnologia de interface cérebro-computador, os quais trabalhavam nas proximidades.

Com a aprovação do paciente, o doutor Jens Lehmberg, neurocirurgião e autor do estudo, implantou nele dois minúsculos eletrodos em regiões do cérebro envolvidas no controle dos movimentos. Então, durante dois meses, o homem foi solicitado a imaginar que movia as mãos, os braços e a língua para ver se isso geraria um sinal cerebral claro. Mas a tentativa não rendeu nada confiável.

Birbaumer então sugeriu o uso de neurofeedback auditivo, técnica incomum pela qual os pacientes são treinados para manipular ativamente sua própria atividade cerebral. O homem foi estimulado primeiro com uma nota sonora —alta ou baixa, correspondendo a sim ou não. Esse era o seu "tom alvo" —a nota que ele tinha que imitar.

Então ele tocou uma segunda nota, que mapeava a atividade cerebral que os eletrodos implantados haviam detectado. Concentrando-se e imaginando mover os olhos, para aumentar ou diminuir efetivamente sua atividade cerebral, ele conseguiu alterar o tom da segunda nota para combinar com a primeira. Ao fazê-lo, obteve feedback em tempo real de como a nota mudou, permitindo-lhe aumentar o tom quando queria dizer sim ou diminuí-lo para não.

Essa abordagem teve resultados imediatos. No primeiro dia de tentativas, o paciente conseguiu alterar o segundo tom. Doze dias depois, conseguiu combinar o segundo com o primeiro.

"Foi quando tudo se tornou coerente e ele conseguiu reproduzir esses padrões", disse Jonas Zimmermann, neurocientista do Centro Wyss e coautor do estudo. Quando perguntaram ao paciente o que ele imaginava para alterar sua própria atividade cerebral, ele respondeu: "Movimento dos olhos".

Durante um ano, o homem aplicou essa técnica para gerar palavras e frases. Os cientistas aproveitaram uma estratégia de comunicação que o paciente tinha usado com sua família quando ainda conseguia mover os olhos.

Nessa fase, a tecnologia é complexa demais para os pacientes e familiares atuarem. Facilitar sua utilização e acelerar a velocidade de comunicação será crucial, disse Chaudhary. Até lá, disse ele, os parentes de pacientes provavelmente ficarão satisfeitos.

"Você tem duas opções: nenhuma comunicação ou comunicação a um caractere por minuto", disse ele. "O que é melhor?"

Talvez a maior preocupação seja o tempo. Três anos se passaram desde que os implantes foram inseridos pela primeira vez no cérebro do paciente. Desde então, suas respostas se tornaram significativamente mais lentas, menos confiáveis e muitas vezes impossíveis de discernir, disse Zimmermann, que agora cuida do paciente no Centro Wyss.

A causa desse declínio não é clara, mas Zimmermann pensou que provavelmente decorreu de problemas técnicos. Por exemplo, os eletrodos estão chegando ao fim de sua expectativa de vida. Substituí-los agora, no entanto, seria imprudente. "É um procedimento arriscado", disse ele. "De repente, a pessoa é exposta a novos tipos de bactérias no hospital."

Zimmermann e outros no Centro Wyss estão desenvolvendo microeletrodos sem fio que são mais seguros de usar. A equipe também está explorando outras técnicas não invasivas que se mostraram frutíferas em estudos anteriores com pacientes que não estão paralisados. "Por mais que queiramos ajudar as pessoas, também acho muito perigoso criar falsas esperanças", disse Zimmermann.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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