Grunhidos revelam diferentes emoções de porcos, indica estudo

Novas pesquisas reduzem distância entre humanos e outros animais

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São Paulo

Cientistas da nove países se uniram para tentar desvendar uma pergunta peculiar: é possível saber o que os porcos sentem com base apenas nos seus grunhidos?

Havia muitas pesquisas sendo desenvolvidas separadamente sobre o tema, e a ideia dos cientistas dessa vez foi unificar os bancos de dados, totalizando 7.414 grunhidos produzidos por 411 porcos em 19 situações distintas, a fim de ter uma análise mais robusta. Participam do projeto profissionais de Dinamarca, República Tcheca, Suíça, Itália, Alemanha, França, Noruega e EUA.

Emoções positivas incluem a amamentação e o reencontro com a família após um tempo de afastamento. Já as negativas abrangem a separação da mãe, disputas entre os animais e castração
Emoções positivas incluem a amamentação e o reencontro com a família após um tempo de afastamento. Já as negativas abrangem a separação da mãe, disputas entre os animais e castração - Eduardo Anizelli/Folhapress

Os registros são referentes a variadas situações, do nascimento à morte. Aquelas positivas, por exemplo, incluem a amamentação e o reencontro com a família após um tempo de afastamento. As situações emocionalmente negativas abrangem, por exemplo, separação da mãe, disputas entre os animais e castração.

Os grunhidos associados a situações positivas normalmente são mais curtos, e as ondas sonoras têm menor variação na amplitude. Já os mais longos, comuns em situações negativas, oscilam bastante e são geralmente mais longos. A pesquisa foi publicada no último mês de março na revista Scientific Reports.

Uma análise desse tamanho só foi possível porque os cientistas desenvolveram um programa de computador capaz de "escutar" os bichos e automaticamente destrinchar a informação nos diversos parâmetros de interesse, como duração da vocalização, frequência e formato da onda sonora.

Foi possível, por meio de aprendizado de máquina, classificar corretamente 92% dos grunhidos em positivos ou negativos. Mais: o algoritmo identificou corretamente 84% dos contextos em que os sons foram produzidos.

Com base nessa maneira não invasiva de monitorar o bem-estar animal, agora os cientistas buscam parceiros para desenvolver uma ferramenta comercial que possa ser disponibilizada para criadores de todo o mundo.

No caso de animais de corte, como galinhas, bois e porcos, existem motivos éticos, sociais e econômicos para que os criadores se atentem ao bem-estar dos bichos.

"Todos os dias pesquisadores descobrem novas habilidades cognitivas nesses animais. Eles são seres sencientes —algo que já é reconhecido por diversos países—, e, se queremos usá-los, é nossa responsabilidade garantir que eles tenham a melhor vida possível", diz à Folha Elodie Mandel-Briefer, pesquisadora da Universidade de Copenhague e principal autora do estudo.

"Isso significa não só garantir que eles estejam fisicamente, mas também mentalmente saudáveis, para que tenham emoções positivas em número muito maior do que as negativas, e que desfrutem uma vida tão natural quanto for possível", completa.

As emoções que os animais sentem, explica a cientista, são codificadas por regiões ancestrais do cérebro que todos os vertebrados, seja um peixe ou um chimpanzé, compartilham, e elas são essenciais para a vida que eles levam na natureza, como reagem ao encontrar comida ou predadores, por exemplo.

"É um fato que todos os vertebrados, pelo menos, sentem emoções. E considerando a arquitetura cerebral, é muito provável que animais não humanos sejam conscientes de suas emoções, mas não podemos dizer até que nível", diz Mandel-Briefer.

"De toda forma, considerando o estudo de suas habilidades cognitivas (memória de longa duração, habilidade de suas emoções influenciarem outros indivíduos, capacidade de entender gestos humanos e expressões vocais), está claro que a distância entre nós e eles fica a cada dia mais estreita, o que nos faz ter certeza que temos que cuidar muito bem deles, se quisermos usá-los."

Mesmo as emoções de invertebrados, como insetos, moluscos e crustáceos, já são estudadas. Em uma análise recente, publicada na revista Science, Frans de Wall, primatólogo da Universidade Emory (EUA) e Kristin Andrews, estudiosa da mente animal da Universidade de York (Canadá), dissecam a questão.

Existe dúvida sobre qual o grau de consciência que animais não vertebrados teriam sobre suas sensações e sentimentos. Supondo uma ausência de consciência, isso desobrigaria, de um ponto de vista ético, as pessoas de terem de se importar com o bem-estar desses bichos, explicam os autores.

Outro exemplo é a relação entre vacas e bezerros. Ao verem os filhotes sofrendo, as mães têm uma reação que vai além do interesse em evitar a própria dor. Esse tipo de interesse, argumentam de Wall e Andrews, deve ser considerado ao tomar decisões sobre boas práticas na pecuária e da agricultura.

"Embora estejamos acostumados a pensar como nossas ações afetam outros humanos, reconhecer a amplitude da senciência animal requer que também consideremos nosso impacto em outras espécies. Dessa forma, a senciência animal vai complicar ainda mais esse mundo, que já é moralmente complexo", escrevem.

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