Ursula Bellugi, pioneira mundial das línguas de sinais, morre aos 91 anos

Ela fez contribuições significativas em três áreas principais: o desenvolvimento da linguagem em crianças, a estrutura linguística e a base neurológica da Língua Americana de Sinais

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The New York Times

Ursula Bellugi, pioneira no estudo dos fundamentos biológicos da linguagem e uma das primeiras a demonstrar que a língua de sinais era tão complexa, abstrata e sistemática quanto a língua falada, morreu no domingo (17) em San Diego (Califórnia, Estados Unidos), aos 91 anos.

Sua morte, em uma instalação de vida assistida, foi confirmada por seu filho Rob Klima.

Bellugi foi um dos principais pesquisadores do Instituto Salk de Estudos Biológicos, em San Diego, durante quase cinco décadas e, em grande parte desse período, foi diretora de seu laboratório de neurociência cognitiva. Ela fez contribuições significativas em três áreas principais: o desenvolvimento da linguagem em crianças; a estrutura linguística e a base neurológica da Língua Americana de Sinais; e o comportamento social e as capacidades de linguagem de pessoas com uma doença genética rara, a síndrome de Williams.

Ursula Bellugi em 2006 no Instituto Salk, onde fez pesquisas para entender o cérebro nas linguagens de sinais e falada
Ursula Bellugi em 2006 no Instituto Salk, onde fez pesquisas para entender o cérebro nas linguagens de sinais e falada - Instituto Salk

"Ela deixa um legado indelével ao esclarecer como os humanos se comunicam e socializam uns com os outros", disse Rusty Gage, presidente do Instituto Salk, em comunicado.

O trabalho de Bellugi, em grande parte feito em colaboração com seu marido, Edward S. Klima, avançou na compreensão do cérebro e das origens da linguagem, tanto sinalizada quanto falada.

A Língua Americana de Sinais foi descrita pela primeira vez como uma língua verdadeira em 1960 por William C. Stokoe Jr., professor na Universidade Gallaudet, a única universidade de ciências humanas do mundo dedicada a surdos. Mas ele foi ridicularizado e atacado por essa posição.

Bellugi e Edward Klima, que morreu em 2008, demonstraram conclusivamente que as línguas de sinais do mundo —das quais existem mais de cem— eram línguas reais por direito próprio, não apenas traduções de línguas faladas.

Bellugi, que se concentrou na Língua Americana de Sinais, estabeleceu que esses sistemas linguísticos foram transmitidos, em toda a sua complexidade, de uma geração de surdos para a seguinte. Por isso, a comunidade científica a considera a fundadora da neurobiologia da Língua Americana de Sinais.

O trabalho do casal levou a uma grande descoberta no laboratório Salk: que o hemisfério esquerdo do cérebro tem uma predisposição inata para a linguagem, seja falada ou gestual. Essa descoberta deu aos cientistas uma nova visão sobre como o cérebro aprende, interpreta e esquece a linguagem.

"Foi uma descoberta crítica para os surdos, pois verificou que nossa língua é tratada igualmente pelo cérebro –assim como devemos ser tratados igualmente pela sociedade", disse Roberta J. Cordano, presidente da Gallaudet, em comunicado.

Até então, as línguas de sinais eram vistas depreciativamente como uma pantomima grosseira, sem regras, ou como inglês inculto, e as crianças surdas eram desencorajadas a aprender a gesticular. O trabalho do casal contribuiu para uma aceitação mais ampla da LAS como língua de aprendizado e ajudou a capacitar os surdos à medida que o movimento Orgulho Surdo evoluiu na década de 1980.

Outro assunto que Bellugi e seu marido estudaram foi a síndrome de Williams. Ela procurou entender como esse transtorno, no qual um conjunto de cerca de 20 genes está faltando em uma cópia de um cromossomo, modificava o cérebro e, por consequência, o comportamento.

Seu corpo de trabalho, disse o Instituto Salk em um perfil de Bellugi, "ajudou a pintar um quadro da biologia que os humanos usamos para interagir com o mundo ao nosso redor".

Ursula Herzberger nasceu em 21 de fevereiro de 1931, em Jena, na Alemanha, um centro de ciência e tecnologia. Com Hitler em ascensão, sua família fugiu da Alemanha em 1934 e acabou se estabelecendo em Rochester, Nova York. Lá, seu pai, Max Herzberger, um matemático e físico, tornou-se chefe dos laboratórios de pesquisa óptica da Eastman Kodak, um trabalho arranjado para ele por Albert Einstein, seu amigo e ex-professor em Berlim.

Herzberger desenvolveu uma lente especial que resolveu a distorção de cor no vidro. A mãe de Ursula, Edith (Kaufmann) Herzberger, era uma artista.

Ursula frequentou o Antioch College em Ohio, onde se formou em psicologia em 1952. Casou-se com o compositor e maestro italiano Piero Bellugi em 1953; eles tiveram dois filhos antes de se divorciarem em 1959.

Interessada em psicologia e linguagem, Ursula mudou-se para Cambridge, Massachusetts, onde se tornou assistente de pesquisa de Roger Brown, um eminente psicólogo de Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que estudava como crianças pequenas adquirem a linguagem. Logo ela estava estudando em Harvard, onde obteve um doutorado em educação em 1967, enquanto criava seus filhos. Ela também fez cursos no MIT, onde um de seus professores foi Klima.

Quando eles se casaram, ela mudou seu nome legalmente para Bellugi-Klima, mas continuou a usar Bellugi profissionalmente. Eles se mudaram para o oeste dos Estados Unidos quando ele começou a lecionar na Universidade da Califórnia, em San Diego. Ela começou em 1968 no Instituto Salk, a dez minutos a pé do campus do marido, onde também dava aulas. Mais tarde, ensinou na Universidade Estadual de San Diego.

Na época, San Diego era um núcleo de pesquisa linguística, girando principalmente em torno de Bellugi e Klima, bem como colegas vindos de Harvard e do MIT. Ela atraiu uma série de assistentes de pesquisa e fez questão de contratar muitos surdos.

Ao longo dos anos, Bellugi recebeu vários prêmios. Ela foi eleita para a Academia Nacional de Ciências dos EUA em 2007. Aposentou-se do Salk em 2017, aos 86 anos.

Ela foi coautora de centenas de artigos e vários livros, alguns deles com o marido. Seu livro mais conhecido foi "The Signs of Language" (1979), escrito com dez associados. Foi o primeiro estudo abrangente da gramática e psicologia das línguas de sinais, e foi aclamado pela Associação de Editores Americanos como o "livro mais importante do ano nas ciências comportamentais".

Além de seu filho Rob, Bellugi deixa uma irmã, Ruth Rosenberg; um irmão, Hans Herzberger; quatro netos; e cinco bisnetos. Outro filho, David Bellugi, morreu em 2017.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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