Cientistas leem DNA de vítima da erupção do Vesúvio em 79 d.C.

Análise do material genético era desafio devido ao impacto das cinzas vulcânicas em Pompeia; homem tinha 40 anos e sofria de tuberculose

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São Carlos (SP)

Cientistas conseguiram "ler" pela primeira vez o DNA de uma pessoa que morreu na cidade romana de Pompeia durante a erupção do vulcão Vesúvio, no ano 79 d.C. Trata-se de um homem na casa dos 40 anos, com lesões provavelmente causadas por tuberculose e um genoma aparentado ao dos povos que ainda habitam a bacia do Mediterrâneo nos dias de hoje, em especial os da Itália Central e da ilha da Sardenha.

A análise do material genético da vítima do vulcão acaba de ser publicada na revista especializada Scientific Reports por uma equipe internacional de pesquisadores. O trabalho foi coordenado por Gabriele Scorrano, da Universidade de Copenhague (Dinamarca), e dele participa também o doutorando brasileiro Thomaz Pinotti, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que realiza parte de sua pesquisa na instituição dinamarquesa.

Pinotti contou à Folha que está em Copenhague para trabalhar num projeto voltado à análise do DNA dos antigos indígenas sul-americanos, mas passou a colaborar também com a pesquisa sobre os habitantes de Pompeia por causa da sua familiaridade com análises do cromossomo Y (a marca da masculinidade no genoma humano) e do chamado mtDNA, ou DNA mitocondrial. Esse segundo tipo de material genético está presente apenas nas mitocôndrias, as "centrais de energia" das células, e normalmente é transmitido só de mãe para filha ou filho. Assim, o cromossomo Y e o mtDNA são úteis para rastrear, respectivamente, as linhagens paterna e materna de uma pessoa ao longo das gerações.

Local onde foram achados os corpos em Pompeia, em 1934. O homem do genoma é o esqueleto da esquerda, deitado de lado e com pernas esticadas
Local onde foram achados os corpos em Pompeia, em 1934. O homem do genoma é o esqueleto da esquerda, deitado de lado e com pernas esticadas - Divulgação

A equipe do estudo trabalhou com os restos mortais de pessoas que foram apanhadas pela erupção do Vesúvio num dos aposentos da chamada "Casa del Fabbro" ("Casa do Ferreiro", em italiano), residência relativamente modesta se comparada às mansões de romanos abastados que também existiam na cidade. Dois mortos, o homem de 40 anos e uma mulher com cerca de 50 anos, foram achados apoiados num canto do que parece ter sido a sala de jantar da casa. Ele media 1,64 m, enquanto a mulher tinha 1,53 m, o que está dentro da média dos habitantes do Império Romano naquela época.

Os dois devem ter morrido instantaneamente quando uma nuvem de cinza vulcânica, com temperatura de cerca de 300 graus Celsius, chegou à cidade. Isso, é claro, representa um desafio para as tentativas de obter material genético ainda "legível". "Como diz um professor aqui, o DNA é como sorvete: dura mais no frio", explica o biólogo brasileiro. "Então, o contexto da erupção vulcânica é muito ruim para a preservação dele. Foi surpreendente que a extração e a análise tenham dado certo, embora a gente obviamente faça de tudo para que as coisas funcionem."

Para ter acesso ao DNA das vítimas, eles extraíram material do osso petroso, que fica localizado na base do crânio e é muito denso, o que ajuda a proteger o material genético de influências externas. Mesmo assim, só foi possível obter o genoma completo do homem que morreu na "Casa del Fabbro", embora o DNA da outra pessoa tenha ajudado a confirmar que ela era mesmo do sexo feminino, tal como indicava a conformação de seu esqueleto.

Algo parecido se deu no caso das lesões do esqueleto. A quarta vértebra lombar do morador de Pompeia apresenta áreas danificadas que são compatíveis com a chamada espondilite tuberculosa, que acontece quando a bactéria causadora da tuberculose afeta os ossos e pode até "entortar" a coluna vertebral da vítima.

"Ele provavelmente tinha muitas dores com isso", diz Pinotti. A equipe conseguiu obter fragmentos de DNA antigo que parecem corresponder ao gênero Mycobacterium, no qual se inclui o micróbio da tuberculose, mas não foi possível afirmar com certeza que o DNA era mesmo o dessa espécie bacteriana. "A gente já sabia que é algo muito difícil de detectar em indivíduos antigos. Mesmo em pessoas vivas, você não encontra o DNA da bactéria em 40% dos casos", diz o brasileiro.

A análise genômica do homem de Pompeia revelou que ele carregava um tipo de mtDNA que hoje é comum na Sardenha, bem como uma variante do cromossomo Y que atualmente é frequente na África Oriental, mas também aparece no Oriente Médio e, de novo, na Sardenha, bem como na ilha de Chipre. Por outro lado, os dados do genoma como um todo mostram que ele era geneticamente próximo de outros habitantes da Itália que viveram durante o Império Romano e também de outras populações do Mediterrâneo, como gregos e turcos.

"É bem próximo dos italianos de hoje. A diferença é que a população atual da Itália parece mais homogeneizada, enquanto a do Império Romano tem mais variabilidade, está menos misturada, digamos. E o que parece é que justamente as conexões entre várias regiões trazidas pelo Império é que ajudam nessa mistura", explica Pinotti.

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