Dentes dos gatos-dentes-de-sabre ficavam escondidos, dizem pesquisadores

Representações dos animais com presas pontiagudas de prontidão precisam ser revisadas, aponta estudo

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Anthony Ham
The New York Times

Feche os olhos e imagine estar cara a cara com um gato-dente-de-sabre. Muito provavelmente você verá em sua mente assustada os caninos superiores longos e curvos —particularmente sinistros porque aqueles dentes em forma de adaga ficavam visíveis mesmo quando o gato fechava a boca.

O que aparece em sua imaginação pode estar incorreto, pelo menos para uma espécie de gato-dente-de-sabre que foi uma das mais difundidas na história antiga da Terra.

Gato-dente-de-sabre
Dente-de-sabre não eram tigres, muito menos felinos - Wikimedia Commons

Em um estudo publicado no mês passado na revista Quaternary Science Reviews, uma equipe de pesquisadores argumenta que muitas reconstruções artísticas do Homotherium latidens estão erradas. As representações dos gatos com dentes pontiagudos de prontidão precisam ser revisadas, porque a característica definidora do animal era uma arma escondida até que o gato estivesse pronto para atacar ou abrisse a boca.

O Homotherium latidens foi "o gato-dente-de-sabre mais poderoso do Pleistoceno do Velho Mundo", disse o artista paleontológico Mauricio Antón, especialista em gatos-dentes-de-sabre e um dos autores do estudo. De acordo com o registro fóssil, o Homotherium apareceu pela primeira vez há cerca de 4 milhões de anos, durante o Plioceno.

A espécie vivia desde o extremo sul da África, passando por toda a Eurásia e até a América do Sul. Um sítio fóssil na caverna Friesenhahn, no Texas (EUA), sugeriu que grupos de dentes-de-sabre podiam caçar coletivamente para derrubar mamutes. A espécie foi extinta há 10 mil anos.

O felino era do tamanho de um leão, pesava até 250 quilos e tinha caninos superiores longos, em forma de cimitarra e serrilhados. Em um artigo que Antón escreveu em 2009, ele concluiu: "As pontas dos sabres do Homotherium teriam sido visíveis em vida, projetando-se além dos lábios", mesmo quando o gato estava em repouso. Em outras palavras, o Homotherium se encaixava no perfil estereotipado do gato-dente-de-sabre.

Mais recentemente, porém, Antón começou a se perguntar se ele e outros pesquisadores paleontológicos estariam entendendo errado a dentição mortal do gato.

Durante décadas, quase tudo o que os cientistas souberam sobre os gatos-dentes-de-sabre veio de fósseis e dissecações de grandes felinos modernos. "Quando você disseca um grande felino morto, os lábios estão em uma posição particular porque os músculos que controlam os lábios relaxam", disse Antón. "Foi daí que vieram nossos dados."

Então, em 2016, enquanto assistia a um vídeo que ele tinha feito de um magnífico leão bocejando no delta do Okavango, em Botsuana (África), Antón notou algo que nunca havia visto: "O lábio inferior estava se contraindo enquanto a boca se fechava e, antes do fechamento total, envolvia a ponta do canino. Eu pensei: 'Estou realmente vendo isso?' Foi um momento eureca."

Para entender as implicações de sua observação, Antón e uma equipe de cientistas estudaram os grandes felinos vivos em detalhes minuciosos. Eles analisaram dissecações de fósseis com o que Antón descreveu como "novos olhos". E fizeram uma tomografia computadorizada 3D de um fóssil intacto de 3 milhões de anos de um Homotherium latidens que tinha sido escavado em Perrier, na França.

Gema Siliceo, pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Comenius, na Eslováquia, e coautora do estudo, disse que a combinação dessas técnicas fornece "uma enorme quantidade de informações que podemos usar para inferir a aparência em vida de um felino extinto".

Seus estudos confirmaram que simplesmente não havia espaço para o lábio inferior e o tecido mole se encaixarem entre o canino superior do Homotherium e a gengiva. Mas havia espaço para os caninos ficarem escondidos contra a parte fechada da mandíbula, o maxilar inferior.

Qualquer que seja sua estética, os gatos-dentes-de-sabre continuaram sendo predadores assustadores. Ao contrário dos grandes felinos modernos, como leões e tigres, os dentes estreitos e semelhantes a lâminas do Homotherium eram "armas de precisão", disse Antón. "Quando os sabres cortavam as artérias do pescoço", acrescentou, "a presa perdia sangue muito rapidamente e desmaiava em segundos."

Os caninos superiores de um leão têm cerca de 3,7 centímetros de comprimento. Os do Homotherium tinham 7,3 centímetros. Os do maior felino dentes-de-sabre, o Smilodon fatalis, de 408 quilos, podiam ter 14,7 cm de comprimento, e é por isso que as novas descobertas não se aplicam aos dentes do Smilodon: nenhuma mandíbula poderia acomodar tais dentes.

Mesmo assim, os autores do estudo se perguntam aonde investigações como esta poderão levar a seguir. "Conhecemos cerca de 30 a 40 espécies de gatos-dentes-de-sabre", disse Siliceo, "mas ainda há muitas outras a ser encontradas." Ainda este ano, cientistas na China descreveram um dente-de-sabre anão até então desconhecido e outro do tamanho de uma onça.

Segundo Antón, isso pode ser apenas o começo. "Temos toda uma biosfera nas gavetas do museu esperando para ser descoberta", disse ele.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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