Amostras de asteroide podem 'reescrever a química do sistema solar'

Pesquisa de cientistas japoneses indica que material se formou cerca de 5,2 milhões de anos após a criação dos planetas

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Kenneth Chang
The New York Times

Menos de 6 gramas de ciscos escuros trazidos para a Terra de um asteroide por uma espaçonave japonesa são alguns dos pedaços mais primitivos de um sistema solar bebê já estudados, anunciaram cientistas na quinta-feira (9).

Esse fato deve ajudar os cientistas planetários a refinar seu conhecimento sobre os ingredientes do disco de poeira e gás que circundava o sol há cerca de 4,6 bilhões de anos, antes de se aglutinar aos planetas e corpos menores.

"Precisamos reescrever a química do sistema solar", disse Hisayoshi Yurimoto, professor de ciências terrestres e planetárias na Universidade de Hokkaido, no Japão, e chefe da análise de pesquisas descrita em artigo publicado na revista Science na quinta.

Amostras do meteorito Ryugu que foram coletadas pela sonda Hayabusa2, da agência espacial japonesa, Jaxa
Amostras do meteorito Ryugu que foram coletadas pela sonda Hayabusa2, da agência espacial japonesa, Jaxa - Jaxa via The New York Times

A sonda Hayabusa2 chegou a Ryugu, um asteroide rico em carbono, em 2018. A missão foi operada pela Jaxa, a agência espacial japonesa, e passou mais de um ano estudando Ryugu. Isso incluiu descer brevemente à superfície algumas vezes para coletar amostras de solo do asteroide e até usar um explosivo para abrir uma nova cratera em sua superfície.

Em dezembro de 2020, Hayabusa2 passou pela Terra novamente, deixando uma pequena cápsula com os pedaços de Ryugu no interior desértico da Austrália.

Cientistas da missão passaram o último ano estudando o que Hayabusa2 trouxe de volta. "É uma pilha de rochas, seixos e areia", disse Shogo Tachibana, cientista planetário na Universidade de Tóquio e principal investigador responsável pela análise das amostras. O maior pedaço tinha cerca de 1 centímetro, disse ele. Muitas das partículas tinham apenas 1 milímetro de largura.

A equipe de Yurimoto recebeu uma pequena amostra do asteroide —menos de 0,15 grama.

A maior surpresa de sua análise foi que os pedaços de Ryugu são parecidos com um meteorito de aproximadamente 700 gramas que caiu na Tanzânia em 1938. O meteorito Ivuna, nome da região da queda, era de um tipo raro. Das mais de mil rochas espaciais que foram encontradas na superfície da Terra, apenas cinco são desse tipo, conhecido como condrito CI.

Meteorito de aproximadamente 700 gramas que caiu na Tanzânia em 1938 possui as mesmas características das amostras coletadas pela sonda japonesa
Meteorito de aproximadamente 700 gramas que caiu na Tanzânia em 1938 possui as mesmas características das amostras coletadas pela sonda japonesa - Trustees of the Natural History Museum via The New York Times

(O "C" é de carbonáceo, o que significa que contém compostos de carbono, e o "I" significa Ivuna. Um condrito é um meteorito pedregoso.)

"É supersemelhante", disse Sara Russell, líder do grupo de materiais planetários do Museu de História Natural de Londres, que foi membro da equipe científica da missão Hayabusa2 e da missão da Nasa Osiris-Rex, que visitou um asteroide rico em carbono, Bennu. Ela é um dos autores do trabalho publicado na Science.

As amostras de Bennu da Osiris-Rex chegarão à Terra no próximo ano.

A datação das amostras de Ryugu indicou que o material se formou cerca de 5,2 milhões de anos após o nascimento do sistema solar.

Russell disse que se pensava que os condritos carbonáceos se formassem na parte externa do sistema solar, mais longe do que as órbitas atuais da maioria dos asteroides. Ela os descreveu como "basicamente relíquias congeladas do início do sistema solar".

O rastro de fogo deixado pela sonda japonesa na volta à Terra, no deserto da Austrália
O rastro de fogo deixado pela sonda japonesa na volta à Terra, no deserto da Austrália - Jaxa via The New York Times

Os meteoritos CI possuem uma composição de elementos mais pesados semelhante à que é medida na superfície do sol —como as proporções de sódio e enxofre para cálcio. Assim, os cientistas planetários pensaram que fossem uma boa indicação dos elementos que preenchiam o sistema solar primitivo. Isso fornece parâmetros-chaves para modelos de computador que visam a entender como os planetas se formaram.

A análise indicou que o material foi aquecido no início de sua história, derretendo gelo em água, o que causou reações químicas que alteraram os minerais. Mas as quantidades relativas de vários elementos permaneceram quase iguais, disseram os cientistas.

Isso se encaixa na imagem que o Ryugu formou a partir dos detritos que foram derrubados de um asteroide muito maior, com quilômetros de diâmetro. (Os meteoritos CI provavelmente também vieram do asteroide mãe maior, não de Ryugu.)

Os resultados foram "muito importantes", disse Victoria Hamilton, cientista do Instituto de Pesquisa do Sudoeste em Boulder, no Colorado, que não participou da pesquisa. "Apesar de termos aprendido muito sobre o sistema solar primitivo com os meteoritos aqui na Terra, eles não têm qualquer tipo de contexto."
Neste caso, os cientistas planetários sabem exatamente de onde vieram as amostras.

A combinação de Ryugu com meteoritos CI foi inesperada porque os meteoritos CI contêm muita água, e as medições remotas de Hayabusa2 enquanto esteve em Ryugu indicaram a presença de pouca água, a superfície era quase seca. As medições de laboratório, no entanto, revelaram cerca de 7% de água, disse Tachibana, coautor do novo estudo da Science. Essa é uma quantidade significativa para tal elemento.
Tachibana disse que os cientistas estão trabalhando para entender a discrepância.

Os cientistas também encontraram algumas diferenças entre as amostras de Ryugu e o meteorito Ivuna. O meteorito Ivuna incluía quantidades ainda maiores de água e minerais conhecidos como sulfatos que não estavam presentes em Ryugu.

As diferenças podem indicar como a mineralogia do meteorito mudou ao longo de décadas pousado na Terra, absorvendo água da atmosfera e sofrendo reações químicas. Isso, por sua vez, poderia ajudar os cientistas a descobrirem o que se formou como parte do sistema solar há 4,6 bilhões de anos e o que mudou recentemente nos meteoritos CI ao longo de algumas décadas na Terra.

"Isso mostra por que é importante fazer missões espaciais, explorar e trazer material de uma maneira realmente controlada", disse Russell.

Também aumenta as expectativas sobre as amostras de Bennu da Osiris-Rex, que pousará no deserto de Utah (centro dos EUA) em 24 de setembro de 2023. Dante Lauretta, o principal investigador dessa missão, escolheu esse asteroide principalmente porque parecia se assemelhar a meteoritos CI, e medições da Osiris-Rex em Bennu indicaram mais água do que Hayabusa2 observou em Ryugu. Mas se Ryugu já é equiparável a um meteorito CI, isso sugere que Bennu pode ser feito de algo diferente.

"Então agora me pergunto: 'O que estamos trazendo de volta?'", disse Lauretta, que também foi autor do artigo da Science. "É emocionante, mas também intelectualmente desafiador."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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