Descrição de chapéu The New York Times

Baratas mortas que comeram poeira lunar foram a leilão, mas a Nasa barrou

Insetos foram usados em experiência para testar toxicidade do material coletado pela Apollo 11 na Lua

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Vimal Patel
The New York Times

Perguntas não respondidas enchem o cosmos: existem universos infinitos? Por que uma coisa existe? Quanto se pagaria por poeira lunar digerida por uma barata?

Sobre esse último mistério, a humanidade chegou perto de uma resposta neste mês. Mas os advogados da Nasa intervieram.

Três insetos foram colocados em leilão online —juntamente com a poeira lunar, eles foram alimentados como parte de um experimento em 1969 para observar os efeitos do material da Lua na vida terrestre.

Os lances para o leilão, anunciado como "uma raridade única da Apollo 11", começaram em 25 de maio e chegaram a US$ 40 mil, disse Bobby Livingston, vice-presidente executivo da RR Auction, especializada na venda de objetos históricos e espaciais.

Amostras de poeira lunar trazidas pela missão Apollo 11 em exposição na casa de leilões Bonhams, em Nova York (EUA)
Amostras de poeira lunar trazidas pela missão Apollo 11 em exposição na casa de leilões Bonhams, em Nova York (EUA) - Christine Kiernan - 11.abr.22/Reuters

Esperava-se que o preço subisse muito mais num leilão ao vivo em um hotel em Cambridge, Massachusetts, mas funcionários da empresa o cancelaram depois que a Nasa afirmou que o experimento pertencia à agência.

Em carta datada de 15 de junho, a agência chamou a venda dos itens de "imprópria e ilegal" e disse que "nenhuma pessoa, universidade ou outra entidade jamais recebeu permissão" para manter amostras da missão Apollo. A Nasa também pediu ajuda à casa de leilões para identificar o proprietário do objeto.

O que a famosa agência espacial, que tem orçamento anual de US$ 24 bilhões, poderia querer com alguns insetos mortos, o conteúdo de suas entranhas e algumas partículas de material lunar? Um porta-voz da Nasa se recusou a comentar, dizendo que era um caso jurídico em curso, mas uma auditoria de 2018 do inspetor-geral da agência dá algumas ideias.

A agência perdeu uma "quantidade significativa" de bens de sua propriedade devido à "falta de procedimentos adequados", segundo a auditoria. Ela descobriu que, embora a Nasa tenha obtido melhoras nas últimas seis décadas, a recuperação de propriedades muitas vezes foi difícil para a agência por causa de sua relutância em afirmar a propriedade e do mau gerenciamento de registros.

Devido à desorganização dos registros, a Nasa perdeu a posse de uma sacola que o astronauta Neil Armstrong usou para coletar amostras de rochas lunares, segundo descobriu a auditoria. A pequena sacola branca foi vendida em um leilão da Sotheby's por US$ 1,8 milhão em 2017. Alguns anos atrás, um protótipo de uma sonda lunar foi visto por um informante em um bairro residencial no Alabama. Um dono de ferro-velho acabou vendendo-o em um leilão por valor não revelado.

Os astronautas da missão Apollo 11: Neil Armstrong (à esq.), Michael Collins (centro) e Edwin "Buzz" Aldrin
Os astronautas da missão Apollo 11: Neil Armstrong (à esq.), Michael Collins (centro) e Edwin "Buzz" Aldrin - Nasa - 1º.mai.69/Reuters

"A Nasa tem um longo histórico de não manter controles adequados de seus itens espaciais históricos", disse Mark Zaid, advogado da RR Auction, que possui objetos históricos, incluindo um pedaço da corda usada para enforcar o assassino do ex-presidente James Garfield.

"Não foi surpresa que finalmente tivemos notícia da Nasa", disse Zaid. "Mas eles são tão inconsistentes. Nunca sabemos qual item vai levantar um espectro e qual não."

A história do experimento da barata começa em 20 de julho de 1969, quando dois membros da tripulação da Apollo 11 —Armstrong e Buzz Aldrin— tornaram-se os primeiros humanos a pisar na Lua. Em sua missão histórica, eles coletaram cerca de 21 quilos de material lunar para trazer de volta à Terra para estudo.

A Nasa estava preocupada se o solo lunar seria tóxico para a vida na Terra. Por isso, alimentou dez "animais inferiores", incluindo peixes e insetos, com o material durante 28 dias e recrutou pesquisadores de todo o país para avaliar os efeitos, informou a revista Science em 1970.

Algumas baratas alemãs que foram alimentadas com a dieta lunar acabaram no laboratório da entomologista Marion Brooks, da Universidade de Minnesota. Ela não encontrou evidências de que a poeira lunar fosse tóxica para as baratas, de acordo com um artigo publicado no The Star Tribune of Minneapolis em 6 de outubro de 1969.

Quando o experimento terminou, a professora levou as baratas e o conteúdo de seus estômagos para sua casa, onde as guardou até morrer, em 2007.

Em 2010, sua filha, Virginia Brooks, vendeu os materiais. Ela disse em uma entrevista na última sexta-feira (24) que não se lembrava do valor pelo qual eles foram vendidos, mas que não chegava perto de US$ 40 mil. Não está claro se a pessoa que comprou os materiais dela é a mesma que colocou os itens à venda na RR Auction. A casa de leilões está mantendo o nome do vendedor em sigilo.

Zaid disse que as preocupações da Nasa foram "suficientes o bastante" para que a empresa cancelasse o leilão. Ele disse que a RR Auction alertou o proprietário sobre a disputa e gostaria que ele e a agência espacial a "resolvessem".

"O governo tem um problema de procedência legal neste caso, porque neste momento não pode apresentar qualquer documentação sobre a transação de fornecer as baratas à médica e à Universidade de Minnesota", disse ele.

Além disso, Livingston afirmou que o material lunar foi "propositalmente destruído" quando a Nasa alimentou as baratas com ele. "Foram as baratas, não a poeira lunar, que foram fornecidas à doutora Marion Brooks", disse ele.

Na sexta-feira, Virginia Brooks procurou algum contrato sobre o experimento, mas não conseguiu encontrar.

Ela foi ao porão de sua casa e abriu um cofre à prova de fogo que continha arquivos sobre o experimento. Havia uma placa que a Nasa deu à mãe dela, vários recortes de jornal sobre o experimento e um contracheque da Nasa no valor de US$ 100 que também pertencia a sua mãe.

Brooks disse que ela não reclamou da quantia que recebeu pelo experimento. Achou que foi um negócio justo na época. Além disso, "eram apenas baratas".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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