Sapinho brasileiro encolheu tanto que não consegue controlar pulo

Estudo aponta que tamanho de canal do ouvido, essencial para a orientação espacial de vertebrados, afetou habilidade

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São Carlos (SP)

O tamanho diminuto —menos de 1 centímetro de comprimento, em certos casos— e as cores vibrantes fazem com que os sapinhos brasileiros do gênero Brachycephalus estejam entre os vertebrados mais interessantes do mundo. Mas o charme tem seu preço: eles encolheram tanto que se tornaram incapazes de saltar de forma controlada e elegante, ao contrário de qualquer outro sapo que se preze.

"Eles conseguem pular, mas não se orientar durante a descida do salto", conta André Confetti, doutorando da UFPR (Universidade Federal do Paraná) e coautor de um novo estudo sobre os minissapos que está saindo no periódico especializado Science Advances.

Sapinho Brachycephalus ferruginus
Sapinho brasileiro do gênero Brachycephalus mede menos de 1 cm em certos casos - Luiz F. Ribeiro

A equipe da pesquisa, coordenada pelo brasileiro Marcio Pie, da Universidade Edge Hill (Reino Unido), mostrou que o culpado pelas parcas habilidades acrobáticas dos bichos é o ouvido interno. Para ser mais exato, o problema começa com o tamanho dos canais semicirculares, estruturas do ouvido interno que são essenciais para que vertebrados como os sapos e nós consigam se orientar no espaço.

Esses canais, cujo formato lembra o de rosquinhas coladas umas nas outras em diferentes orientações, estão repletos de um líquido com densidade semelhante à da água. Quando viramos a cabeça em determinada direção, o fluido se movimenta e toca células que atuam como sensores, o que permite ao cérebro captar os padrões da nossa movimentação e postura.

Acontece que existe um limite de tamanho para que os canais semicirculares funcionem corretamente, por causa da maneira como o líquido circula dentro deles. Tanto é assim que, na maioria dos vertebrados, a variação de tamanho da estrutura não depende muito do tamanho corporal da espécie. Mas os sapinhos brasileiros encolheram tanto ao longo de sua evolução que os canais tiveram de acompanhar em parte essa miniaturização —e acabaram perdendo eficiência. Nisso, quem pagou o pato foi a precisão dos pulos.

"A ideia de investigar isso veio justamente por causa do tamanho dos sapos, porque, quando a gente faz pesquisa de campo, a impressão é que eles pulam normalmente, é até difícil de acompanhar os saltos", explica Confetti.

A coisa, no entanto, muda de figura quando filmagens dos saltos são analisadas em câmera lenta, principalmente quando se compara o estilo de pular dos sapinhos com o de outros anfíbios de tamanho normal. "Quando você dá um pulo, você tem noção de que vai cair de pé no mesmo lugar ou, se está pulando numa piscina, sabe que precisa ir para a frente para cair na água. No caso desses sapos, nada disso acontece", compara o pesquisador. "Normalmente, os anuros [sapos, rãs e pererecas] saltam já direcionados para onde querem chegar, o que não é o caso desses animais."

As espécies do gênero Brachycephalus são exclusivas dos trechos montanhosos de maior elevação da mata atlântica, na serra do Mar e na serra da Mantiqueira. São ambientes restritos, com menos disponibilidade de recursos, o que pode explicar em parte por que os bichos se miniaturizaram (corpos menores exigem menos alimento para se sustentar, afinal de contas).

Os sapinhos estão adaptados à vida na serrapilheira (a grossa camada de folhas que recobre o chão da floresta) e se alimentam principalmente de formigas e ácaros, compatíveis com seu tamanho mínimo. Sua pele possui considerável quantidade de toxinas, que servem como defesa contra predadores. O habitat muito específico faz com que eles sejam especialmente vulneráveis às mudanças climáticas.

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