Descrição de chapéu The New York Times

Como os pinguins derrotaram o calor e viajaram para o sul

Pesquisadores identificaram genes que ajudaram essas aves a fazer a transição de nadar em águas quentes e rasas para aperfeiçoar o mergulho em águas polares

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Jack Tamisiea
The New York Times

Poucos animais evoluíram para sobreviver à inclemente Antártida tão bem quanto os pinguins. Espécies como o pinguim-imperador possuem camadas sobrepostas de plumagem que os isola do frio, veias densamente distribuídas para reciclar o calor corporal e pança suficiente para suportar um frio que se aproxima dos 62 graus Celsius negativos.

Com todas essas adaptações para suportar o frio, é difícil imaginar pinguins vivendo em qualquer outro lugar. Mas fósseis de pinguins antigos foram encontrados na altura do Equador, e muitas dessas aves marinhas pré-históricas são anteriores à formação das calotas de gelo antárticas.

"Os pinguins viveram em alguns dos períodos mais quentes da história da Terra, quando a temperatura no Equador era 5 graus acima da atual", comentou o paleontólogo Daniel Ksepka, do Bruce Museum, em Greenwich, Connecticut. "Basicamente, eles se desenvolveram num contexto que não tinha gelo."

Pinguim-imperador nada em uma piscina do zoológico de Zurique, na Suíça
Pinguim-imperador nada em uma piscina do zoológico de Zurique, na Suíça - Michael Buholzer - 15.ago.12/Reuters

Para determinar como os pinguins fizeram a transição de águas tropicais quentes para os mares polares, Ksepka e seus colegas recentemente analisaram os genomas de todos os pinguins vivos, incluindo espécies pequeninas, como o pinguim-azul, que mede 30 centímetros, raridades como o pinguim-do-olho-amarelo, ameaçado de extinção, e aves vistosas como o pinguim-saltador-da-rocha. Mas o que conseguiram descobrir a partir dos dados genéticos dos pinguins modernos foi limitado. A maioria das linhagens modernas data de apenas dois ou três milhões de anos atrás, obscurecendo a maior parte dos 60 milhões de anos da odisseia evolutiva dos pinguins.

Ksepka disse que mais de três quartos de todas as espécies de pinguins estão extintas hoje. Segundo ele, "é preciso estudar o registro fóssil, senão você só vê um fragmento da história".

Para complementar os dados modernos, os cientistas examinaram fósseis de uma variedade grande de aves marinhas antigas. Alguns pinguins pré-históricos viviam nas águas tropicais ao largo do Peru e arpoavam peixes com seus bicos em formato de lança. Outros tinham pernas compridas; o maior dos pinguins pode ter passado de 2,1 metros de altura. Alguns chegavam a ter manchas de penas de cor vermelho-ferrugem.

A comparação dos genomas de pinguins modernos com pinguins fósseis permitiu aos pesquisadores reconstruir a evolução dos pinguins. Em suas conclusões, publicadas na terça-feira na Nature Communications, eles identificaram genes que ajudaram os pinguins a fazer a transição de nadar em águas quentes e rasas para aperfeiçoar o mergulho em águas polares.

Alguns desses genes beneficiaram sua capacidade de armazenar gordura, enquanto outros converteram suas asas enrugadas em nadadeiras aerodinâmicas. Alguns chegaram a fortalecer o sistema imunológico dos pinguins ou os ajudaram a tolerar o baixo nível de oxigênio durante mergulhos profundos.

Os pesquisadores também identificaram genes que ajudaram a adaptar os olhos dos pinguins para poderem enxergar melhor em águas geladas e profundas. Enquanto a maioria das aves possui quatro cones nos olhos, um deles é inativo em pinguins, prejudicando sua capacidade de enxergar o verde e o vermelho. Em vez disso, seus olhos se adaptaram para ajustar-se ao azul do oceano.

Alguns genes que não estavam presentes deixaram os pesquisadores perplexos. Enquanto os pinguins modernos devoram krill, os cientistas encontraram evidências de que seus ancestrais não possuíam genes que os teriam ajudado a decompor as conchas dos crustáceos. Isso pode ser evidência de que os pinguins antigos se alimentavam de presas maiores, como peixes e lulas. Os pinguins conservam um paladar limitado. Seus receptores gustativos só conseguem captar sabores salgados e azedos —"muito bom se você está comendo peixes", disse Ksepka. "Deve ser por isso que eles gostam tanto de sardinhas."

Quando essas alterações ocorreram com pinguins antigos, elas se mantiveram. As análises genéticas revelaram que os pinguins de modo geral têm a taxa evolutiva mais baixa de qualquer grupo de aves. Porque sua aparência é tão bizarra, esse índice de transformação muito lento parece surpreendente. Mas ele revela como é bem-sucedido o plano corporal gordinho, porém aerodinâmico, dos pinguins —ao longo de milhões de anos ele foi mudando apenas em incrementos muito lentos.

Mas os pinguins-imperadores, que se reproduzem durante o rigoroso inverno antártico, têm a taxa evolutiva mais alta que qualquer pinguim, fato que leva os pesquisadores a deduzir que as temperaturas mais baixas de alguma maneira aceleram a evolução dos pinguins.

A ecologista Juliana Vianna, da Pontifícia Universidade Católica do Chile, diz que essa ideia é condizente com a hipótese de que a marcha dos pinguins para o sul teria ocorrido durante fases de esfriamento global. "A história evolutiva deles é bastante associada à mudança climática e glaciação históricas", disse Vianna, que recentemente chefiou pesquisas semelhantes mas não participou do novo estudo.

A compreensão de como os pinguins mudaram no passado pode trazer pistas para prever como esses especialistas em clima frio poderão se sair em um futuro mais quente. "A elevação das temperaturas vai impactar áreas biogeográficas habitadas pelos pinguins, as espécies das quais ele se alimentam e as espécies que, por sua vez, os caçam", disse Daniel Thomas, paleontólogo da Universidade Massey, na Nova Zelândia, e um dos autores do novo estudo.

A pesquisa abrangeu toda a família dos pinguins, mas, segundo Ksepka, uma ave marinha ficou de fora dela: o último pinguim voador. Essa ave pequena, que se assemelhava a um papagaio-do-mar, provavelmente viveu na Nova Zelândia no passado, mas não foi possível obter fósseis dela. "Se eu tivesse um gênio da lâmpada, essa seria a primeira coisa que lhe pediria", disse Ksepka.

Tradução de Clara Allain

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