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O que é a hipótese de Gaia, que defende que a Terra 'está viva'

Na década de 1970, a hipótese do biólogo britânico James Lovelock causou admiração e suspeita

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Na década de 1970, James Lovelock, um biólogo britânico, propôs uma hipótese que causou escândalo, admiração e suspeita em proporções iguais.

Ele disse que a Terra estava viva.

Lovelock, que trabalhava na época para a Nasa (agência espacial dos EUA) e era considerado um cientista respeitável, não se embasava em crenças animistas.

Vista da Terra do espaço
A hipótese entende a Terra como um "organismo vivo". - Getty Images/BBC News Brasil

E embora tenha a chamado de hipótese de Gaia, referindo-se à deusa primordial da mitologia grega, ele embasava suas ideias em paradigmas científicos.

Com sua pesquisa, vislumbrou um sistema que refletia o equilíbrio (e a relação) entre os seres vivos e o resto do planeta.

A hipótese, que estudos posteriores transformaram em teoria, se tornou popular nas universidades do mundo todo e foi central para o entendimento sobre o impacto humano no clima.

E embora tenha sido questionada à exaustão, também consagrou seu principal teórico. Ele morreu em 26 de julho, no mesmo dia em que completou 103 anos.

Retrato de homem branco, de cabelos brancos e curtos
Lovelock morreu aos 103 anos de idade - PA Media/BBC News Brasil

Considerado um dos biólogos mais importantes do século 20 no Reino Unido, Lovelock realizou também uma contribuição especial por seu descobrimento de que era possível medir a concentração atmosférica de clorofluorcarbonos, os compostos que eram usados para esfriar geladeiras e o ar-condicionado.

Isso levou ao descobrimento do buraco na camada de ozônio e à proibição dos clorofluorocarbonos em 1987.

Ele também criou um dispositivo ainda usado para medir a propagação de compostos tóxicos criados por humanos na natureza, o que cimentou suas teorias sobre a ação humana sobre o planeta.

No entanto, o que o deixou mais conhecido internacionalmente foi sua hipótese que começou a ver a vida na Terra como um sistema em que cada ser vivo tinha um papel: Gaia.

Da astronomia à ecologia

Lovelock baseou sua hipótese inicial em sua observação científica da atmosfera da Terra e de Marte.

Naquela época, nos anos 1960, ele trabalhava na equipe de exploração espacial da Nasa no Laboratório de Propulsão a Jato, em Pasadena, Califórnia.

Como especialista na composição química dos planetas, Lovelock se perguntou por que nossa atmosfera era tão estável.

Ele considerou que, diferentemente de Marte, algo deveria estar regulando o calor, o oxigênio, o nitrogênio e outros componentes essenciais.

"A vida na superfície é o que deve estar fazendo a regulação", escreveu com a microbióloga americana Lynn Margulis, que foi coautora em seu estudo sobre Gaia.

Vista aérea de área de vegetação cortada por cursos dágua
Lovelock e Margulis avaliaram que os organismos e seu entorno estavam estreitamente integrados - Getty Images/BBC News Brasil

Lovelock e Margulis avaliaram que os organismos e seu entorno inorgânico na Terra estavam estreitamente integrados para formar um sistema complexo, único e autorregulado.

Isso era, por sua vez, o que mantinha as condições para o desenvolvimento da vida.

"O clima e a composição química do meio ambiente da superfície da Terra estão e têm estado regulados num estado estável para a biota (o conjunto dos organismos vivos)", dizia a pesquisa.

Lovelock trabalhou em sua hipótese inicial por anos e logo recuperou modelos e dados de outras ciências para tentar criar uma teoria.

Foi assim que desenvolveu o modelo chamado "Daisyworld" (sobre como crescem as margaridas num mundo imaginário), que serviu para ilustrar como pode funcionar Gaia.

Segundo a teoria, num planeta imaginário, similar em muitos aspectos à Terra, só crescem margaridas, com abundância de nutrientes e água.

Mas as margaridas brancas e negras competem por espaço.

Ainda que ambos os tipos de margaridas cresçam melhor à mesma temperatura, as margaridas negras absorvem mais calor que as brancas. Quando o sol brilha mais intensamente, aquecendo o planeta, as margaridas brancas se estendem, e o planeta esfria novamente

Enquanto isso, quando diminui a luminosidade do sol, as margaridas se esticam, aquecendo o planeta.

Dessa maneira, as interações competitivas entre as margaridas proporcionam um mecanismo homeostático para o planeta em seu conjunto.

Em seu livro "O futuro do clima mundial", Martin Rice e Ann Henderson-Sellers explicam que esse modelo ofereceu um "marco matemático" inicial para compreender a autorregulação da vida na Terra e que tornou Gaia "a teoria ecológica mais ambiciosa baseada na auto-organização".

A fama da teoria fez com que, menos de uma década após ter sido exposta, cientistas do mundo todo tenham se reunido na Universidade de Massachusetts na Primeira Conferência sobre a Hipótese Gaia, cujo tema era: "A Terra é um organismo vivo?"

A hipótese, no entanto, não recebeu uma chancela universal no universo científico.

Muitos pesquisadores a questionaram, fazendo com que Lovelock fosse desenvolvendo novos experimentos e modificações na teoria ao longo dos anos.

Os principais críticos afirmam que a noção de que há um equilíbrio entre os organismos vai contra os princípios da seleção natural. Dizem ainda que a teoria tem um componente teleológico (concebe um fim ou uma meta: a continuação da vida).

Muitos cientistas consideram ainda que ela tem pouco embasamento ou está em desacordo com as evidências disponíveis, a tal ponto que o pesquisador Tyler Volk a classificou de "pensamento otimista".

Mas além dos argumentos favoráveis ou contrários à teoria, uma de suas inovações foi o lugar que ela deu aos humanos dentro desse sistema e como nos apresenta como uma das principais ameaças para o equilíbrio natural da Terra.

"Estamos jogando um jogo muito perigoso. Estamos interferindo diretamente nos principais mecanismos de regulação de Gaia", disse Lovelock à BBC em 2020.

"Minha razão principal para não me aposentar é que, como a maioria de vocês, estou profundamente preocupado com a probabilidade de uma mudança climática enormemente danosa e a necessidade de fazer algo a respeito agora", acrescentou.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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