Durante o dia, as aranhas-saltadoras caçam suas presas, espreitando-as e saltando como gatos. Quando as luzes se apagam, essas predadoras do tamanho de ervilhas se penduram —e talvez suas mentes teçam sonhos.
À medida que contrai as pernas e movimenta os olhos, a Evarcha arcuata, uma espécie de aranha-saltadora, mostra algo que lembra o sono de movimento rápido dos olhos, ou REM na sigla em inglês, segundo relataram pesquisadores na segunda-feira (8) no Proceedings of the National Academy of Sciences.
REM é a fase do sono durante a qual ocorre a maior parte dos sonhos humanos. O estudo sugere que o REM talvez seja mais comum do que se imagina em todos os animais, o que pode ajudar a desvendar os mistérios de seu propósito e sua evolução.
"Observar o sono REM em algo tão distante de nós quanto as aranhas é absolutamente fascinante", disse Lauren Sumner-Rooney, bióloga sensorial do Instituto Leibniz para Pesquisa em Biodiversidade e Evolução, que não participou do novo estudo.
Daniela Roessler, ecologista comportamental na Universidade de Konstanz, na Alemanha, e uma das autoras do estudo, ficou surpresa ao perceber que as aranhas-saltadoras às vezes ficam penduradas de cabeça para baixo durante a noite. Roessler começou a filmar os aracnídeos em repouso e notou outros comportamentos estranhos.
"De repente, eles faziam movimentos malucos com as pernas e começavam a se contorcer. E isso me lembrou imediatamente um gato ou cachorro dormindo, para não dizer sonhando", disse Roessler.
Esses movimentos bruscos dos membros são um sinal do sono REM, estado em que a maioria dos músculos do corpo fica relaxada e a atividade elétrica do cérebro imita o estado de vigília. E também há a agitação dos olhos, que dá nome ao REM. Mas é difícil identificá-lo em animais com olhos que não se movem, como as aranhas.
No entanto, parte do olho de uma aranha-saltadora se move. Os aracnídeos acrobáticos têm oito olhos ao todo, e por trás das lentes de seus dois olhos maiores há retinas captadoras de luz que se movem para escanear o ambiente. O exterior dos artrópodes geralmente obscurece esses tubos em forma de banana, exceto quando as aranhas são bebês e têm exoesqueletos translúcidos. Assim, a equipe de Roessler procurou retinas trêmulas durante o repouso em filhotes de aranha com menos de dez dias.
"É realmente inteligente", disse Paul Shaw, neurocientista na Escola de Medicina da Universidade de Washington. Os pesquisadores escolheram o animal certo para essa questão, acrescentou.
Durante a noite, os pesquisadores filmaram os aracnídeos com uma câmera infravermelha. Em todas as 34 aranhas, eles viram episódios de movimentos coincidentes da retina e dos membros, geralmente durando cerca de 80 segundos e ocorrendo a cada 15 a 20 minutos. A equipe registrou comportamentos desde o movimento de fiandeiras (tubos produtores de seda) até o encolhimento de todas as pernas, que as fazia parecer aranhas mortas. Mas assistir a horas de aranhas descansando não provocou sono em Roessler. Os movimentos de cada aranha pareciam únicos, disse ela. "Eu estava sempre ansiosa pelo próximo REM."
O que os pesquisadores viram se assemelhava muito a algumas características do sono REM, disse Sumner-Rooney. Os espasmos, os músculos relaxados e o movimento dos olhos: "Todos parecem ser iguais aos dos mamíferos".
Os cientistas estudaram o REM principalmente em mamíferos. Embora tenha sido difícil discernir o que conta como REM em outros animais, estudos também encontraram evidências dele em pássaros, cefalópodes e répteis. Com essa dica dos artrópodes, o sono REM talvez seja mais antigo ou universal do que os cientistas supunham.
A equipe de Roessler está trabalhando para descobrir se as aranhas estão realmente dormindo. Uma maneira de demonstrar o sono é testar se é mais difícil estimular uma aranha em repouso do que uma que esteja simplesmente parada. Se os experimentos sugerirem que as aranhas não estão apenas descansando seus oito olhos, os pesquisadores poderão ter uma imagem melhor da necessidade de sono das aranhas privando-as dele.
Se as aranhas privadas de sono adormecerem mais rápido e passarem mais tempo em um estado semelhante ao REM, isso oferecerá mais evidências de que elas experimentam o sono REM.
Elas podem até estar recebendo alguns dos benefícios associados ao sono e aos sonhos em humanos. "Não há razão para pensar que elas não sonhem, dependendo de como você define o sonho", disse Barrett Klein, entomologista na Universidade de Wisconsin-La Crosse que não participou do estudo, mas escreveu um artigo relacionado, ainda inédito.
Não há razão para pensar que elas não sonhem, dependendo de como você define o sonho
"Eu poderia imaginar uma repetição de memórias que lhes permitisse resolver possíveis problemas", disse Klein. Com cérebros complexos para seu tamanho, as aranhas-saltadoras planejam suas rotas. São caçadoras que matam insetos ou outras aranhas, às vezes tão grandes quanto elas. Elas executam movimentos coordenados –pulando de folha em folha enquanto estão amarradas a um fio de seda. Algumas até realizam elaboradas danças de cortejo.
"Na minha mente, um sonho de uma aranha-saltadora envolveria os momentos mais exigentes, relevantes para o condicionamento físico e talvez dramáticos de suas vidas", disse Klein.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
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