Descrição de chapéu The New York Times

Frequência de raios e relâmpagos diminui na presença de sal marinho

Pesquisa divulgada neste mês ajuda a explicar por que esse tipo de tempestade é bem menos comum nos oceanos

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Katherine Kornei
The New York Times

Um dos espetáculos mais intensos da natureza pode ser amansado com o humilde sal marinho, o mesmo que está presente às mesas de jantar.

Pesquisadores descobriram recentemente que a frequência de raios e relâmpagos diminui em até 90% na presença de água marinha salgada em spray. Faz sentido, eles propõem, com base em como os campos elétricos se acumulam no interior de nuvens. Esses novos resultados, apresentados neste mês no periódico especializado Nature Communications, ajudam a explicar por que as tempestades com raios e relâmpagos são muito menos frequentes no oceano do que em terra.

Os marinheiros têm muito com que se preocupar, desde vagalhões até lixo flutuante. Mas, pelo menos, ser atingido por um raio não costuma figurar na lista dos perigos mais comuns que eles enfrentam: em comparação com os raios e relâmpagos registrados sobre os continentes, apenas um décimo do número deles ocorre no mar. A razão exata disso foi um enigma por muito tempo. E essa é uma "lacuna gritante" em nosso entendimento, disse o físico David Romps, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que não participou da pesquisa.

Para tentar resolver o enigma, Zengxin Pan, físico atmosférico na Universidade Hebraica de Jerusalém, e seus colegas garimparam dados de mais de 75 mil tempestades recentes com raios. Os pesquisadores combinaram observações feitas pela World Wide Lightning Location Network, um repositório global de observações de raios feitas por radiofrequência, com medições baseadas em satélite de propriedades das nuvens, precipitação e minúsculas partículas de aerossol carregadas no ar.

Raios e relâmpagos são muito menos frequentes no mar do que na terra - Darrin Zammit Lupi - 14.set.2019/Reuters

O objetivo era identificar como as nuvens convectivas —onde nascem os raios— evoluíram ao longo do tempo em condições atmosféricas diferentes, disse Daniel Rosenfeld, coautor do estudo, também físico atmosférico na Universidade Hebraica de Jerusalém.

Primeiro os pesquisadores demonstraram que aerossóis menores que um milionésimo de uma polegada —como as partículas de poeira e fuligem associadas à poluição aérea— tendiam a aumentar a frequência dos raios para uma quantidade dada de chuva. Isso era esperado, disse Rosenfeld. Os aerossóis finos funcionam como pistas de pouso minúsculas para a água contida nas nuvens. O líquido tende a fixar-se a eles, formando gotículas, mas essas gotículas são suficientemente pequenas para tender a continuar dentro de uma nuvem, em vez de cair para o chão na forma de gotas de chuva, acrescentou Rosenfeld.

E, porque a presença de água nas nuvens cria campos elétricos intensos que conduzem a raios, o ar sujo leva a mais raios —esse efeito já havia sido demonstrado anteriormente nas rotas de transporte marítimo, percorridas por navios que expelem poluição. A pureza do ar (ou a impureza) afetam nossas condições do tempo, disse Wei Gong, outro coautor do estudo e físico na Universidade de Wuhan, na China. "Os aerossóis nas nuvens têm um efeito significativo", ele disse.

Em seguida, Pan e seus colegas demonstraram que partículas maiores, especificamente as partículas de sal marinho produzidas pelo spray marinho levantado pelo vento, suprimem os raios. Esses aerossóis, pelo menos dez vezes maiores que a poluição aérea, também atraem água, muita água, disse Rosenfeld. "Eles absorvem muito vapor d’água e formam gotas relativamente grandes", explicou.

Mas essas gotas pesadas são mais propensas a cair das nuvens como chuva. Como esse processo remove um ingrediente chave na formação dos raios, o spray marinho é essencialmente um matador de raios e relâmpagos, sugerem os cientistas.

Pan e seus colaboradores demonstraram que os efeitos do spray marinho são substanciais: tempestades expostas a altos níveis de aerossóis de sal marinho produzem até 90% menos raios e relâmpagos que tempestades com níveis muito baixos de aerossóis de sal marinho. Essa redução nítida foi uma surpresa. "Eu não esperava que fosse tão grande", comentou Rosenfeld.

Desse modo, concluíram os cientistas, as tempestades com raios são menos comuns sobre o oceano que sobre a terra por duas razões. As partículas aéreas finas que promovem os raios são mais prevalentes sobre a terra, próximas a mais fontes de poluição. E os aerossóis maiores de sal marinho, que suprimem os relâmpagos, são encontrados naturalmente sobre o mar aberto ou nas proximidades dele. É um efeito duplo, disse o físico atmosférico Yannian Zhu, da Universidade Nanjing, na China, e coautor do estudo. "Diferentes aerossóis têm impactos significativamente diferentes", ele disse.

Esses resultados oferecem uma explicação interessante de um fenômeno amplamente observado, disse Romps, da Universidade da Califórnia em Berkeley. Mas as nuvens não revelam seus segredos facilmente, ele ressalvou. Este trabalho é apenas uma investigação em algo que certamente será uma longa linha de pesquisa. "Não será a última palavra", disse.

Tradução de Clara Allain

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