Um braço perdido do Nilo ajudou na construção das pirâmides do Egito

Estudo do solo com pólen e plantas mostrou que a região de Gizé era úmida no passado

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Jack Tamisiea
The New York Times

Há 4.500 anos, as pirâmides de Gizé pairam sobre a margem oeste do rio Nilo como uma cadeia de montanhas geométricas. A Grande Pirâmide, construída para comemorar o reinado do faraó Khufu, o segundo rei da quarta dinastia do Egito, ocupa mais de 52 mil metros quadrados e tinha mais de 140 metros de altura após sua conclusão, por volta de 2560 a.C.

Notavelmente, os antigos arquitetos de alguma forma transportaram 2,3 milhões de blocos de calcário e granito, cada um pesando em média mais de 2 toneladas, através de quilômetros de deserto das margens do Nilo até o local da pirâmide, no Planalto de Gizé.

Transportar essas pedras por terra teria sido extenuante. Os cientistas há muito acreditam que a utilização de um rio ou canal tornou o processo possível, mas hoje o Nilo está a quilômetros de distância das pirâmides. Na segunda-feira (29), entretanto, uma equipe de pesquisadores relatou evidências de que um afluente perdido do Nilo um dia atravessou esse trecho do deserto e teria simplificado bastante o transporte das pedras gigantescas para o complexo da pirâmide.

Ilustração mostra duas pirâmides do Egito com barcos passando em um rio ao lado
Reconstrução artística de como era o ramo Khufu, um afluente do rio Nilo, na época da construção das pirâmides de Gizé, no Egito - Alex Boersma/National Academy of Sciences via NYT

Usando pistas preservadas no solo do deserto, cientistas reconstruíram a ascensão e queda do ramo Khufu, um hoje extinto afluente do Nilo, nos últimos 8.000 anos. Suas descobertas, publicadas no Proceedings of the National Academy of Science, propõem que o ramo Khufu, que secou completamente por volta de 600 a.C., desempenhou um papel crítico na construção das maravilhas antigas.

"Seria impossível construir as pirâmides aqui sem esse braço do Nilo", disse Hader Sheisha, geógrafa ambiental do Centro Europeu de Pesquisa e Ensino em Geociência Ambiental e autora do novo estudo.

O projeto foi estimulado pela descoberta de um tesouro de fragmentos de papiro no local de um antigo porto perto do mar Vermelho em 2013. Alguns dos pergaminhos datam do reinado de Khufu e relatam os esforços de um oficial chamado Merer e seus homens para transportar calcário subindo o Nilo até Gizé, onde foi moldado como a camada externa da Grande Pirâmide.

"Quando li sobre isso", disse Sheisha, "fiquei muito interessada, porque confirma que o transporte dos materiais para a construção da pirâmide foi sobre a água."

O transporte de mercadorias no Nilo não era novidade, disse Joseph Manning, um classicista da Universidade Yale que estudou o efeito de erupções vulcânicas no rio durante períodos subsequentes da história egípcia e não participou da nova pesquisa. "Sabemos que havia água perto das pirâmides de Gizé; era assim que a pedra era transportada", disse ele.

De acordo com Manning, os pesquisadores teorizaram que os engenheiros antigos poderiam ter esculpido canais no deserto ou usado uma ramificação do Nilo para transportar os materiais da pirâmide, mas a evidência dessas vias navegáveis perdidas era escassa. Isso obscureceu a rota que Merer e outros tomaram para chegar ao porto de Gizé, o centro de construção de pirâmides localizado a mais de 6 quilômetros a oeste das margens do Nilo.

Buscando evidências de uma antiga rota fluvial, os pesquisadores perfuraram o deserto perto do porto de Gizé e ao longo da rota hipotética do Ramo Khufu, onde coletaram cinco núcleos de sedimentos. Cavando mais de 9 metros, eles capturaram um lapso de tempo sedimentar de Gizé que abrange milhares de anos.

Em um laboratório na França, Sheisha e seus colegas vasculharam os núcleos em busca de grãos de pólen, pistas ambientais minúsculas, mas duradouras, que ajudam os pesquisadores a identificar a vida vegetal do passado.

Eles descobriram 61 espécies de plantas, incluindo samambaias, palmeiras e ciperáceas que estavam concentradas em diferentes partes do núcleo, fornecendo uma visão de como o ecossistema local mudou ao longo de milênios, disse Christophe Morhange, geomorfologista da Universidade Aix-Marseille, na França, e um dos autores do novo estudo.

O pólen de plantas como taboa e papiro indicou um ambiente aquático e pantanoso, enquanto o pólen de plantas resistentes à seca, como gramíneas, ajudou a identificar "quando o Nilo estava mais distante das pirâmides" nos períodos de seca, disse Morhange.

Os pesquisadores usaram os dados coletados dos grãos de pólen para estimar os níveis anteriores dos rios e recriar o passado úmido de Gizé. Cerca de 8.000 anos atrás, durante uma era úmida conhecida como Período Úmido Africano, durante o qual grande parte do Saara estava coberto de lagos e pastagens, a região ao redor de Gizé estava submersa.

Ao longo de milhares de anos seguintes, à medida que o norte da África secou, o Ramo Khufu reteve cerca de 40% de sua água. Isso o tornou um elemento perfeito para a construção das pirâmides, disse Sheisha: a hidrovia permaneceu profunda o suficiente para navegar facilmente, mas não tão alta a ponto de representar um grande risco de inundação.

Esse atalho para as pirâmides durou pouco. À medida que o Egito se tornou ainda mais seco, o nível da água no Ramo Khufu caiu além da usabilidade, e a construção da pirâmide terminou. Quando o rei Tutancâmon assumiu o trono, por volta de 1350 a.C., o rio havia experimentado séculos de declínio gradual. Quando Alexandre, o Grande, conquistou o Egito, em 332 a.C., a área ao redor do Ramo Khufu ressecado havia sido convertida em um cemitério.

Embora a água tenha desaparecido há muito tempo, Sheisha acredita que identificar como o ambiente natural de Gizé favoreceu os construtores das pirâmides pode ajudar a esclarecer alguns dos muitos mistérios que ainda cercam a construção dos antigos monumentos geométricos. "Saber mais sobre o meio ambiente pode resolver parte do enigma da construção das pirâmides", disse ela.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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