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desigualdade de gênero transição de governo

Lula não pode perder a chance de nomear uma mulher para a pasta de Ciência

Baixa participação feminina não dialoga com a própria ciência; mulheres já respondem por metade da produção nacional

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São Paulo

Eleito para o seu terceiro mandato na presidência do país, Lula (PT) tem nas mãos uma oportunidade única: fazer diferente e deixar uma marca forte na sua nova gestão. A considerar a lista de nomes da sua equipe de transição, esse não será o caso da pasta de Ciência.

O grupo de 12 especialistas que fará a passagem de bastão do governo em ciência e tecnologia —de altíssimo nível técnico, diga-se de passagem— tem apenas duas mulheres. A ecóloga Ima Vieira, do Museu Paraense Emilio Goeldi, e a historiadora Iraneide Soares da Silva, da Universidade Estadual do Piauí (Uespi). Fim.

O presidente eleito Lula (PT) participa da reunião da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), em julho deste ano - Evaristo Sa - 28.jul.2022/AFP

Elas representam cientistas do Norte e do Nordeste do país, o que é ótimo. A segunda traz também pautas da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), a qual pertence —algo bem importante na ciência nacional.

Como esta Folha já mostrou, quem forma profissionais no ensino superior público e privado do Brasil são, sobretudo, pessoas brancas. A ciência produzida no Brasil ainda é muito branca —e, em algumas áreas do conhecimento, é mais branca ainda.

As duas especialistas figuram, no entanto, solitárias em grupo de homens que já se viu muito por aí.

A lista de transição tem do físico Sergio Machado Rezende, ministro da pasta de 2005 a 2011 (englobando, portanto, parte dos dois mandatos de Lula) a Luiz Antônio Elias, que foi um secretário forte do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações) do período de Rezende até uns anos depois. Ele estava também na pasta federal de ciência sob o comando da presidente Dilma Rousseff (PT).

Há ainda outro ex-ministro no grupo: Celso Pansera (hoje no PT), que comandou a pasta no final da segunda gestão de Dilma. Ficou até um pouco antes do impeachment da presidente, em 2016.

O engenheiro Glaucius Oliva, do Instituto de Física da USP de São Carlos, também já esteve com Lula-Dilma. Presidiu o CNPq, agência federal de fomento à ciência ligada ao ministério de Ciência, de 2011 a 2015.

Isso foi depois de ter assumido um cargo de direção no mesmo CNPq, em 2010, logo após vencer as eleições para reitoria da USP e, de maneira controversa, não ser nomeado pelo então governador José Serra, do PSDB (na época, quem assumiu foi o 2º colocado, o jurista João Grandino Rodas).

E o mais importante: Oliva é também o nome por trás do Ciência sem Fronteiras, principal programa de intercâmbio da história do país —e estrela da gestão de ciência de Dilma. Uma sinalização, talvez, de que o programa volte repaginado.

Há nomes novos na lista de Lula, claro. E bem fortes. O principal deles é o físico da USP Ricardo Galvão, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), demitido pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) porque mostrou que a Amazônia estava sendo devastada de maneira significativa.

Na época, os satélites do Inpe mostraram que mais de 1.000 km² de floresta amazônica foram derrubados na primeira quinzena de julho de 2019, um aumento de 68% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Em uma das principais sinalizações negacionistas do governo federal, antes mesmo da pandemia, os dados do Inpe foram rejeitados e, Galvão, exonerado sob argumento de que poderia estar a "serviço de alguma ONG".

Agora, depois de pleitear, sem sucesso, uma vaga a deputado federal pela Rede, Galvão tem sido um dos principais nomes cotados para posições importantes em ciência na nova gestão de Lula —em evidente contraponto à gestão bolsonarista na área, considerada um verdadeiro desastre.

Justamente porque foi um desastre, a "simples" composição técnica da lista de Lula já traz um respiro. A falta de diversidade, no entanto, não desce.

A baixa participação feminina não dialoga com a própria ciência. Há alguns anos, as mulheres já respondem por metade da produção científica nacional —que é bastante significativa. Isso significa que elas assinam cerca de 50% dos artigos científicos com autores ligados a instituições de pesquisa do Brasil.

Mesmo assim, elas ainda são raras em posições de liderança na academia e na política científica. Nunca ocuparam, por exemplo, o cargo efetivo de comando do MCTI desde que a pasta foi criada, em 1985. A única —e breve— exceção foi Emília Maria Silva Ribeiro Curi, que assumiu interinamente a pasta em 2016, depois da saída de Celso Pansera. Um cenário que, claramente, Lula poderia mudar.

Sugestões? Várias: a biomédica Helena Nader que é presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências), a epidemiologista não nomeada à reitoria da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), Ethel Maciel, a física Marcia Barbosa, a microbiologista Natalia Pasternak, a imunologista Ester Sabino que fez o genoma do coronavírus em tempo recorde. E por aí vai.

Em uma eleição presidencial em que a ciência se fez tão presente, por exemplo, em debates sobre Covid, Amazônia e fome, é preciso que tenha, também, atenção especial no seu corpo técnico —e que seja inovadora. Uma mulher no Ministério de Ciência seria um ótimo plot twist no enredo de Lula.

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