O que devemos aos animais de laboratório?

Avanço de métodos sem animais para desenvolver medicamentos e testar a segurança de produtos levanta a possibilidade de que seja evitado

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Brandon Keim
The New York Times

Quando Lauren Strohacker recebeu a segunda dose da vacina contra Covid-19, na primavera de 2021, ficou contente. Isso significava que ela poderia rever seus amigos, ir a shows e viver com muito menos medo de que uma infecção a deixasse física ou economicamente incapacitada.

Mas tornou-se uma lembrança agridoce. Pouco depois que Strohacker, uma artista que mora no condado de Knox, no Tennessee, nos EUA, voltou para casa do local de vacinação, ela leu um artigo sobre os macacos usados em testes de vacinas contra a Covid.

Cientistas tailandeses durante teste de vacina contra Covid-19 em filhote de macaco - Mladen Antonov - 24.mai.20/AFP

"Eu pensei: tenho medo de uma agulha boba", disse ela. "E esses animais têm que lidar com isso o tempo todo."

Ela refletiu sobre como sua recém-descoberta liberdade e, possivelmente, sua saúde, vieram às custas de animais que sofrem ou morrem no desenvolvimento de vacinas.

Simplesmente ser grato por aqueles animais parecia insuficiente. Strohacker queria dar algo tangível em troca. Uma pequena pesquisa online localizou o fundo do santuário da Sociedade Nacional contra a Vivissecção, que apoia o cuidado de animais de laboratório aposentados. Ela fez uma pequena doação. "Agradecer era o mínimo que eu podia fazer", disse Strohacker.

Seu gesto incorpora uma voz que raramente é ouvida nas discussões sobre o uso de animais em pesquisas biomédicas. Estas tendem a se polarizar entre os oponentes da pesquisa, que afirmam que é antiética e os benefícios são exagerados, e os proponentes, que argumentam que os benefícios são enormes e justificam os danos aos animais.

O avanço de métodos sem animais para desenvolver medicamentos e testar a segurança de produtos levanta a possibilidade de que o uso de animais seja evitado, pelo menos em alguns casos. Mas levará anos para que isso aconteça, e poucos pesquisadores acham que o uso de animais cessará completamente. Enquanto os animais são usados, portanto, permanece a pergunta: o quê as pessoas devem a eles?

"A consideração típica é que, se eu planejar bem a pesquisa, tiver uma ideia importante e respeitar os animais, acomodando-os com o máximo de cuidado e assim por diante, então fiz meu trabalho em termos de relacionamento", disse John Gluck, professor emérito de psicologia da Universidade do Novo México, cujo crescente desconforto com o uso de macacos o levou a se tornar um bioeticista. "Acho que isso é apenas pobreza."

Os cientistas costumam apontar os chamados Três Rs, um conjunto de princípios articulados pela primeira vez em 1959 por William Russell, um sociólogo, e Rex Burch, um microbiologista, para orientar a pesquisa experimental em animais. Os pesquisadores são encorajados a substituir (replace) os animais quando houver alternativas disponíveis, reduzir o número de animais usados e refinar seu uso de modo a minimizar a imposição de dor e sofrimento.

Esses são objetivos inquestionavelmente nobres, observam os eticistas, mas podem parecer insuficientes quando comparados com os benefícios derivados dos animais. As vacinas para Covid, por exemplo, que foram testadas em camundongos e macacos e desenvolvidas tão rapidamente graças a décadas de trabalho baseado em animais na tecnologia de vacinas de mRNA, salvaram cerca de 20 milhões de vidas em seu primeiro ano de uso e renderam dezenas de bilhões de dólares em receitas.

À luz dessa dinâmica —que se aplica não apenas às vacinas para Covid, mas também a muitas outras terapias que salvam vidas humanas e geram fortuna—, alguns se perguntam se um quarto R pode ser incluído: recompensa.

Sugestões da ideia de recompensa podem ser encontradas na comunidade de pesquisa, mais visivelmente em laboratórios que fazem arranjos para que animais —principalmente macacos e outros primatas não humanos— sejam aposentados em santuários. No caso de cães e espécies de companhia, incluindo ratos, às vezes eles são adotados como animais de estimação.

"É uma espécie de carma", disse Laura Conour, diretora-executiva do Laboratório de Recursos Animais da Universidade de Princeton, que tem um acordo de aposentadoria com o Santuário de Primatas Peaceable. "Eu sinto que isso equilibra um pouco."

A escola também adotou porquinhos-da-índia, lagartos anole e petauros-do-açúcar como animais de estimação para cidadãos e tenta ajudar em seus cuidados veterinários.

A adoção não é uma opção para animais destinados a serem mortos, porém, o que levanta a questão de como a dívida pode ser paga.

Lesley Sharp, antropóloga médica do Barnard College de Nova York e autora de "Animal Ethos: The Morality of Human-Animal Encounters in Experimental Lab Science" [Etos animal: a moralidade dos encontros entre humanos e animais na ciência experimental em laboratórios], observou que os laboratórios de pesquisa às vezes criam memoriais para animais: placas comemorativas, quadros de avisos com fotos e poemas e reuniões informais em memória.

"Existe esse fardo que o animal tem que carregar para os humanos no contexto da ciência", disse Sharp. "Acho que eles exigem respeito e serem reconhecidos, honrados e lamentados."

Ela reconheceu que homenagear animais sacrificados não é exatamente o mesmo que dar algo em troca a eles. Para imaginar o que isso pode acarretar, Sharp apontou para a prática de doar os órgãos após a morte. Os receptores de transplante geralmente querem dar algo em troca, "mas o doador está morto", disse Sharp. "Então você precisa de alguém que seja uma espécie de procurador deles, e esse procurador é o parente sobrevivente próximo."

Se alguém recebe uma córnea ou um coração de um porco —ou financiamento para estudar esses procedimentos— , então pode pagar pelo cuidado de outro porco em um santuário de animais, Sharp propôs. "Você terá animais que representam o todo."

Uma variação desse princípio pode ser vista na participação de crianças em pesquisas possivelmente arriscadas, disse Rebecca Walker, bioética da Universidade da Carolina do Norte. Uma criança doente inscrita em um ensaio clínico para um medicamento ainda não aprovado pode não receber nenhum benefício pessoal, mas isso é considerado eticamente aceitável porque a pesquisa beneficiará uma comunidade maior de crianças que vivem com essa condição.

"Você está contribuindo para o grupo, mesmo que não esteja contribuindo para o indivíduo", disse Walker. "Isso pode ser realmente relevante para o caso animal." Por exemplo, a pesquisa sobre axolotes em cativeiro, uma espécie de salamandra criticamente ameaçada, produziu informações sobre câncer de mama, espinha bífida e regeneração de tecidos; em troca, as pessoas podem apoiar os esforços para ajudar os axolotes silvestres que agora lutam para sobreviver em canais poluídos na Cidade do México.

Devolver algo aos animais de pesquisa implicaria um custo. Alguns especialistas sugeriram que uma parte da receita de medicamentos ou bolsas de pesquisa poderia ser destinada a esse propósito.

"Estou surpreso que isso ainda não tenha sido feito", disse Prem Premsrirut, CEO da Mirimus, empresa que desenvolve modelos animais para testar novos tratamentos. "Acho que, para qualquer coisa que fizermos na ciência, temos que doar para aqueles que se sacrificam, independentemente de serem humanos ou animais."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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