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Novo supercondutor de temperatura ambiente oferece possibilidades fascinantes

Avanço pode transformar tecnologias que usam energia elétrica e ajudar em inovações para trens de levitação magnética e usinas de energia a fusão

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Kenneth Chang
The New York Times

Cientistas anunciaram na semana passada um avanço espetacular em direção ao sonho de um material capaz de transmitir eletricidade sem esforço, em condições do dia a dia. Tal avanço poderia transformar praticamente qualquer tecnologia que use energia elétrica, abrindo novas possibilidades para telefones, trens de levitação magnética e usinas de energia a fusão.

Normalmente, o fluxo de eletricidade encontra resistência ao se mover pelos cabos, quase como uma espécie de fricção, e parte da energia é perdida em forma de calor. Há um século, físicos descobriram materiais, hoje chamados supercondutores, em que a resistência elétrica parecia desaparecer magicamente. Mas esses materiais só perdiam sua resistência em temperaturas extremamente frias, o que limitava as aplicações práticas. Durante décadas, os cientistas procuraram supercondutores que funcionassem à temperatura ambiente.

O anúncio da semana passada é a última tentativa nesse sentido, mas vem de uma equipe que enfrenta ampla desconfiança porque um artigo deles de 2020 que descrevia um material supercondutor promissor, mas menos prático, foi retratado (retirado) depois que outros cientistas questionaram alguns dados.

Diamante colocado em uma célula de bigorna de diamante sob um microscópio, para uso em experimentos de supercondutividade no laboratório da Universidade de Rochester, liderado por Ranga Dias
Diamante colocado em uma célula de bigorna de diamante sob um microscópio, para uso em experimentos de supercondutividade no laboratório da Universidade de Rochester, liderado por Ranga Dias - Lauren Petracca/The New York Times

O novo supercondutor consiste em lutécio e hidrogênio com um pouco de nitrogênio misturado. Ele precisa ser comprimido a uma pressão de 145 mil libras por polegada quadrada antes de ganhar sua capacidade de supercondutor. Isso é cerca de dez vezes a pressão exercida no fundo das fossas mais profundas do oceano.

Mas também é menos de um centésimo do que o resultado de 2020 exigia, o que era semelhante às forças de esmagamento encontradas a vários milhares de quilômetros de profundidade na Terra. Isso sugere que novas investigações do material podem levar a um supercondutor que funcione em temperatura ambiente e na pressão atmosférica normal de 14,7 libras por polegada quadrada (1 atm).

"Este é o início do novo tipo de material que é útil para aplicações práticas", disse Ranga P. Dias, professor de engenharia mecânica e física da Universidade de Rochester, em Nova York, a uma sala lotada de cientistas no último dia 7 numa reunião da Sociedade Americana de Física em Las Vegas.

Um relato mais completo das descobertas de sua equipe foi publicado no último dia 8 na revista Nature, a mesma que publicou e retratou as descobertas em 2020.

A equipe de Rochester começou com uma pequena e fina folha de lutécio, metal branco-prateado que está entre os mais raros elementos de terras-raras, e a pressionou entre dois diamantes entrelaçados. Um gás de 99% de hidrogênio e 1% de nitrogênio foi então bombeado para a pequena câmara e comprimido em alta pressão. A amostra foi aquecida durante a noite a 150 graus Fahrenheit (65,5 °C) e, após 24 horas, a pressão foi liberada.

Cerca de um terço das vezes, o processo produziu o resultado desejado: um pequeno cristal azul vibrante. "Injetar nitrogênio para fazer hidreto de lutécio não é tão fácil", disse Dias.

Ranga Dias, professor de engenharia mecânica e física na Universidade de Rocheste, em Nova York
Ranga Dias, professor de engenharia mecânica e física na Universidade de Rocheste, em Nova York - Lauren Petracca/The New York Times

Em um dos laboratórios da Universidade de Rochester usados pelo grupo de Dias, a estudante de pós-graduação Hiranya Pasan demonstrou a surpreendente propriedade de mudança de tonalidade do material durante a visita de um repórter na semana passada. À medida que os parafusos eram apertados para aumentar a pressão, o azul se transformava em um tom avermelhado.

"É muito rosa", disse Dias. Com pressões ainda mais altas, disse ele, "chega a um vermelho vivo".

No artigo, os pesquisadores relataram que os cristais rosa exibiram propriedades-chave de supercondutores, como resistência zero, em temperaturas de até 70 graus Fahrenheit (21°C).

"Estou cautelosamente otimista", disse Timothy Strobel, cientista da Carnegie Institution for Science, em Washington, que não participou do estudo de Dias. "Os dados publicados parecem ótimos."

"Se isso for real, é um avanço realmente importante", afirmou Paul C.W. Chu, professor de física da Universidade de Houston, que também não participou da pesquisa.

No entanto, a parte "se" desse sentimento gira em torno de Dias, que tem sido perseguido por dúvidas e críticas, e até acusações de alguns cientistas de que ele fabricou certos dados. Os resultados do artigo da Nature de 2020 ainda não foram reproduzidos por outros pesquisadores, e os críticos dizem que Dias demorou a permitir que outros examinassem seus dados ou realizassem análises independentes de seus supercondutores.

Os editores da Nature retrataram o artigo anterior no ano passado, apesar das objeções de Dias e dos outros autores.

"Perdi um pouco da confiança no que vem desse grupo", disse James Hamlin, professor de física da Universidade da Flórida.

No entanto, o novo artigo passou pelo processo de revisão por pares no mesmo periódico.

Sob pressão

A supercondutividade foi descoberta pelo físico holandês Heike Kamerlingh Onnes e sua equipe em 1911. Os supercondutores não apenas transportam eletricidade com resistência elétrica essencialmente zero, como também possuem a estranha capacidade conhecida como efeito Meissner, que garante campo magnético zero no interior do material.

Os primeiros supercondutores conhecidos exigiam temperaturas apenas alguns graus acima do zero absoluto, ou 459,67 graus Fahrenheit negativos. Na década de 1980, os físicos descobriram os chamados supercondutores de alta temperatura, mas mesmo eles se tornavam supercondutores em condições muito mais frias do que as encontradas no uso cotidiano.

Espectroscopia a laser sendo utilizada para desencadear reações químicas em experimentos com supercondutividade à temperatura ambiente em laboratório da Universidade de Rochester, liderado por Ranga Dias, em Nova York
Espectroscopia a laser sendo utilizada para desencadear reações químicas em experimentos com supercondutividade à temperatura ambiente em laboratório da Universidade de Rochester, liderado por Ranga Dias, em Nova York - Lauren Petracca/The New York Times

A teoria padrão que explica a supercondutividade prevê que o hidrogênio deveria ser um supercondutor em temperaturas mais altas se pudesse ser comprimido com força suficiente. Mas até o mais resistente dos diamantes se parte antes de atingir pressões dessa magnitude. Os cientistas começaram a analisar o hidrogênio misturado com outro elemento, supondo que as ligações químicas pudessem ajudar a comprimir os átomos de hidrogênio.

Na pesquisa descrita no artigo retratado de 2020, o grupo de Dias usou hidrogênio, enxofre e carbono. Com três elementos, disseram os cientistas, eles foram capazes de ajustar as propriedades eletrônicas do composto para atingir uma temperatura supercondutora mais alta.

Nem todos acreditaram nisso, no entanto.

O principal antagonista de Dias é Jorge Hirsch, físico teórico da Universidade da Califórnia em San Diego. Ele se concentrou nas medições que o grupo de Dias havia feito da resposta do composto carbono-enxofre-hidrogênio a campos magnéticos oscilantes, evidência do efeito Meissner. O roteiro na publicação parecia organizado demais, e os cientistas não explicaram como haviam subtraído os efeitos de fundo.

Quando Dias divulgou os dados brutos subjacentes, afirmou Hirsch, sua análise indicou que eles haviam sido gerados por uma fórmula matemática e realmente não podiam ser medidos num experimento. "A partir de uma medição, você não obtém fórmulas analíticas", disse Hirsch. "Você obtém números com ruído."

Suas queixas sobre Dias tornaram-se tão persistentes e estridentes que outros desse campo circularam uma carta reclamando de décadas de comportamento perturbador de Hirsch.

Hirsch é um negacionista da teoria BCS, que foi desenvolvida em 1957 por três físicos –John Bardeen, Leon N. Cooper e J. Robert Schrieffer– para explicar como a supercondutividade funciona. A BCS, segundo ele, é em muitos aspectos "uma mentira", incapaz de explicar o efeito Meissner. Ele apresentou sua própria explicação alternativa.

Notavelmente, Hirsch tem dito que não pode haver supercondutividade em nenhum desses materiais de alta pressão porque o hidrogênio não pode ser um supercondutor. Ele ganhou poucos aliados.

Como o novo material à base de lutécio é supercondutor a pressões muito mais baixas, muitos outros grupos de pesquisa poderão tentar reproduzir o experimento. Dias disse que queria dar uma receita mais precisa de como fazer o composto e compartilhar amostras, mas antes precisa resolver questões de propriedade intelectual. Ele fundou a empresa Unearthly Materials, que planeja transformar a pesquisa em lucro.

Strobel disse que começaria a trabalhar assim que voltasse da conferência de Las Vegas. "Podemos ter um resultado literalmente em um dia", disse ele.

Hirsch também disse que esperava que as respostas viessem rapidamente. "Se isso estiver certo, provará que meu trabalho dos últimos 35 anos estava errado", disse ele. "O que me deixaria muito feliz, porque então eu saberia."

"Mas acho que estou certo e isto está errado", acrescentou Hirsch.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Colaborou Kimberley McGee, de Las Vegas

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