Alexandra Forbes

Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

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Para que lutar para comer no Noma? Restaurantes estrelados nem sempre trazem felicidade

É muita dificuldade e muita grana por uma experiência que é como coentro: uns amam e outros odeiam

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Semana passada postei no Instagram uma gougère –delicada bolota de massa assada –coroada com uma vasta peruca de trufa. Um excesso de trufa. Trufa da boa, francesa, ralada bem fininha. Comi aquela bolota com gosto, lambendo os beiços.

Eu estava no Geranium, um restaurante chiquérrimo e caríssimo –um dos mais famosos de Copenhague. A gougère tinha sido feita por Clare Smyth, chef cheia de estrelas que estava ali cozinhando por um dia.

Na foto não aparecia a taça de champanhe, mas é claro que eu bebi champanhe junto com a bolota trufada. Corrigindo: espumante inglês feito à moda champenoise.

E bebi todo o resto também que serviram sucessivamente. Um chardonnay do Jura. Um riesling bem velho, de 2003, que lembrava petróleo, do jeito que eu gosto. Um Rioja que uma garota (sommelière, perdoem) abriu fazendo o maior dos espetáculos, primeiro esquentando o gargalo com uma enorme pinça de ferro com ares de instrumento de tortura, passada na chama de um maçarico, depois dando um choque de temperatura com água gelada.

Pléc! o vidro se partiu, a sommelière sorriu e todo mundo filmou e fotografou. E postou, claro. Hashtag Geranium.

Duas horas depois eu estava chorando baixinho em posição fetal na cama do meu quarto de hotel, a roupa do almoço jogada no chão numa bola. Talvez fosse a chuva fria que não parava há dois dias que me deprimia.

A enxaqueca não ajudava: sentia que minha cabeça ia explodir em mil pedaços. Eu ainda nem tinha chegado ao fim do meu fim de semana pantagruélico –"o grand finale" foi um banquete no wine bar Manfreds– mas já não aguentava mais. Minha barriga inchara como se fosse uma bola de futebol que alguém não parava de bombear de ar.

Quando cheguei em Copenhague, na sexta, fui tomar um vinho em um wine bar hipster, sozinha. Ou, sendo mais sincera, tomei três taças de vinhos de diferentes regiões, porque fiquei amiga de umas moças locais que não paravam de me pedir conselhos e opiniões sobre vinhos, e sabem como é, né? Eu me empolguei.

Depois jantei sozinha em um rooftop elegante, quieta, olhando melancolicamente as luzinhas da cidade e tirando fotos de tudo para me sentir ocupada.

"Eu deveria fazer um vídeo. Pô, se eu fosse 'influencer' de sucesso, clicaria, postaria e ainda comentaria o meu jantar inteiro em vídeo!”, disse a mim mesma. Eu vivo me dando broncas mentais. Tentando me convencer a virar a "instagrammer" que nunca serei. Morro de vergonha de falar sozinha para o meu próprio telefone –ainda mais em público.

No sábado almocei sozinha –sim! de novo sozinha! Todos os 22 pratos e sete vinhos do menu degustação do Geranium, que parecia não acabar nunca mais, estavam maravilhosos, mas saí de lá esgotada. Meu corpo já pedia trégua. Mesmo assim me arrastei para um jantar-evento ou evento-jantar para jornalistas onde passei três horas comendo mais e bebendo mais.

Fatias de batata sobre fatia de pão com cebola frita por cima. Mais isso, isso e aquilo. "São receitas tradicionais!", dizia o maître, esfuziante. Peguei o copinho que me serviram de schnapps –a cana do nórdicos, que desce pela goela como uma bola de fogo –e virei de uma vez. Alguns schnapps e vinhos mais tarde, capotei na cama.

Toda vez que encontro alguém que me reconhece em um evento ou restaurante vem a pergunta. Sempre a mesma! "Que inveja do seu trabalho, como é que você faz para não engordar?" Dou uma risadinha, desconverso.

Mas a vontade que eu tenho é de gritar a verdade para o mundo inteiro ouvir : "É claro que eu engordo!" Ainda mais agora que tenho 46 anos e um metabolismo lento como uma lesma.

A cada viagem como essa a Copenhague eu pago o preço depois, almoçando alface e jantando couve por dias em casa. E dá-lhe sopinha de legumes… Além da comida em excesso, em eventos eu bebo para quebrar o gelo e conseguir passar três ou cinco horas conversando animadamente.

Costumo preferir um bom Bordeaux de safra antiga ou um branco da Borgonha mas nessas situações em que me vejo rodeada de estranhos, se me oferecerem apenas schnapps, schnapps será!

Quinze dias atrás, quando estreei essa nova versão da minha coluna, prometi que falaria mais de temas acessíveis e menos das estrelas da cena gastronômica mundial.

No entanto, cá estou abrindo este texto falando justamente de um desses templos gastronômicos pluriestrelados –o Geraniu –de um dos chefs mais brilhantes, tecnicamente, que já conheci na vida (Rasmus Kofoed). E para quê? Sei que a maioria de vocês não irá lá nunca. Mas quis usar de exemplo de quão diferentes são o Instagram e a vida real. Quando postei a linda gougère de trufas, minha vida me parecia tudo menos linda.

Ninguém precisa comer no Geranium para ser feliz em Copenhague. Muito menos no Noma, o mais famoso restaurante da cidade –ou do mundo? Minha última conta no Noma custou centenas de euros, sendo que eu tive que me forçar a comer alguns dos pratos, estranhezas que achei, francamente, difíceis de engolir.

Não recomendo a vocês que percam horas e horas tentando conseguir uma mesa quase impossível de conseguir no Noma. É muita dificuldade e muita grana por uma experiência que é como coentro: uns amam e outros odeiam.

Se eu fosse a Copenhague à toa, de férias, gastaria minhas coroas dinamarquesas em tiros certos. No mercado Torvehallerne, todo envidraçado, onde as bancas de frutas, carnes e legumes dividem espaço com mini lugares servindo comida deliciosa –como a taqueria Hija de Sanchez  –ou a Hallernes Smorrebrod, famosa pelos sanduíches abertos de peixe empanado sobre pão de centeio. Ou no Schonnemann, restaurantezinho fofo onde começo com um smorebrod de salmão defumado e depois me jogo no arenque com dill e ovo empanado e no pato cozido.

Passei anos sofrendo vendo vidas douradas e maravilhosas de outros e outras no Instagram. Até que bloqueei as saradas, as veganas e o ex-namorado que posa em frente à porta de restaurantes estrelados fazendo cara de galã com a peguete da vez. Dei unfollow em todas as "influencers "que surgiam no meu feed magicamente lindas do raiar do dia até a última festa da semana de moda. Isso me fez um bem enorme.

Se meus posts de belíssimos vinhos, queijos tentadores, restaurantes suntuosos e pratos de chefs famosos deixarem vocês lamentando a relativa simplicidade de suas idas a restaurantes, bloqueiem-me. Deletem-me. Ou, no mínimo, olhem aquilo tudo sabendo que nada é o que parece.

Tem muita dor, muito chocolate de frigobar de hotel para levantar o humor e muitas cenas impublicáveis entre um jantar glamoroso e outro. Não levem ao pé da letra meus posts, porque no Instagram minha vida é uma mentira.

A jornalista viajou a Copenhage a convite do restaurante Geranium.

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