Alexandra Forbes

Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

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Assassina, não: sou carnívora do bem

Os veganos que me desculpem, mas eu não tenho pena da vaca que morreu para me proporcionar um bifão mal passado

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Para os veganos, almoçar um bifão sangrento é pior que acender um cigarro em uma maternidade de hospital. Quando Pablo Rivero, dono da churrascaria mais falada de Buenos Aires —a Don Julio— passou quatro dias grelhando carnes na rua, como participante da feira gastronômica Masticar, foi xingado sem trégua por protestantes veganos.

“Não me acho um assassino, muito pelo contrário”, diz. “Agora querem fazer a gente acreditar que comer carne é pecado, esquecem que somos um animal que se alimenta de animais desde sempre. Tenho orgulho de trabalhar com o melhor alimento que tem o homem.”

Churrascaria Don Julio, de Buenos Aires
Churrascaria Don Julio, de Buenos Aires - Divulgação

Tudo está virando crime nesses tempos de ativismo exacerbado. Que o diga meu amigo que resolveu pular o carnaval com um cocar pataxó na cabeça e foi parar na home de um portal de notícias no dia seguinte sob a manchete “Índia chora no Baixo Augusta: 'Aquele homem está com o cocar do meu povo'”.

Os veganos que me desculpem, mas eu não tenho pena da vaca que morreu para me proporcionar um bifão mal passado. Esta foi a vez dela, amanhã será a minha. Quando a leoa mata a zebra para se manter viva e dar de comer aos filhos naquelas séries gringas de vida selvagem, ninguém a acusa de crueldade. Como o Pablo, também acho que tendemos a esquecer que somos bichos e que já nascemos onívoros.

Tenho pena, sim, das vacas criadas de forma ruim, injetadas com antibióticos e outras porcarias e engordadas na marra com ração e que terminam picotadas em mil pedaços vendidos em bandejas de isopor nos hipermercados. A indústria da carne faz barbaridades. Por isso tomo o cuidado, no Brasil, de só comer carne que veio de um produtor que respeita o animal e seu entorno.

Pois descobri que aqui em Buenos Aires é mais fácil ser carnívora consciente, porque não há gigantes à la Friboi. “Nosso gado de corte é todo de raças britânicas e pasta solto em planícies úmidas. Na Argentina, 95% das empresas de pecuária são familiares”, diz Pablo. Sem culpa nenhuma —e na maior felicidade— comi mais de meio quilo de proteína no restaurante dele, entre o salame de potro, a "entraña", a "molleja" grandona e amanteigada e o bifão alto do final, deliciosamente sangrento.

Ao terminar, entendi o porquê do Don Julio fazer um sucesso tremendo. Para a "carnófila" que sou, foi puro gozo. Meu companheiro de mesa, meio estraga-prazeres, fez uma ressalva. Disse: “não vá pensando que é assim nas tantas outras parillas de Buenos Aires, a carne é ótima mas eles tendem a servir passada do ponto”. Aposto que se eu pedisse a opinião de dez churrasqueiros ouviria dez teorias distintas. Pablo, por exemplo, garante que isso é lenda e que os argentinos evoluíram e já não esturricam mais seus bifes.

Prefiro fugir do diz-que-diz e me ater a uma certeza. Segundo Pablo, “uma das poucas coisas que a Argentina faz de maneira responsável é produzir gado, inclusive nos cuidados na hora do abate”. Sei, portanto, que um banquetaço carnívoro de vez em quando aqui na terra dos "hermanos" não faz mal a ninguém —e nem ao planeta. E agora com licença que o tempo urge e um ojo de bife me aguarda ali na parilla da esquina…

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