Alexandra Forbes

Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

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Enquanto milhares de chefs temem quebrar, um atreve-se a abrir restaurante novo

Se a pandemia o forçou a adiar a inauguração para o começo de 2021, Thiago Castanho não tirou o vento de suas velas

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Thiago Castanho, chef que cozinha com maestria e defende as tradições culinárias de seu Pará natal como ninguém, vem guardando um segredo: seu restaurante Remanso do Bosque fechou para sempre.

Não é culpa da Covid-19, acreditem: isso tudo já estava planejado há meses. E tem mais: está a mil criando do zero um lugar novo e bem menor e mais intimista inspirado em lugares paulistanos que ele adora como o TanTan Noodle Bar, Komah, Ema e A Casa do Porco. Se a pandemia o forçou a adiar a inauguração para o começo de 2021, não tirou o vento de suas velas. "Todo dia é uma mistura de depressão, incerteza, esperança e otimismo", diz. Ele não vê a hora de acabar o isolamento social para que ele possa avançar a obra e também reabrir seu outro negócio, o famoso Remanso do Peixe, que ocupa a casinha que era originalmente o lar da família.

Família Castanho (Thiago em pé, à esquerda) na vila onde moram e onde está localizado o restaurante Remanso do Peixe
Família Castanho (Thiago em pé, à esquerda) na vila onde mora - Divulgação

"A gente começou a sentir que uma casa grande, como o Remanso do Bosque , que tinha 140 lugares e cozinha gigantesca, estava fora do contexto atual, fazia tempo que a gente estava analisando essa movimentação das casas pequenas com custos mais baixos e serviço personalizado", diz. Ele tem passado seus dias na obra do BaYuca, assim mesmo, com ípsilon maiúsculo, enquanto é viável permitir que poucos pedreiros sigam trabalhando sem risco de contágio. O nome é uma amálgama de baiuca —sinônimo de botequim— e "yuca", que é mandioca em espanhol. E dá-lhe mandioca: ela vai estar presente na grande maioria dos pratos, desde o taco de porco, feito com tortilha de farinha suruí, aos tamales (sem milho) no vapor com costela de boi desfiada. Quem vai cuidar do serviço, que vai ser bem caloroso e informal, será o irmão caçula, Felipe Castanho, que também cozinha e entende muito de vinho e cerveja.

Enquanto Thiago segue acalentando seu sonho, os donos dos restaurantes que ele cita como inspiração, fechados há vários dias, descabelam-se.

Jefferson Rueda, d'A Casa do Porco, vem lutando ferozmente ao lado de sua mulher, Janaína, para forçar o governo e bancos a socorrerem o setor de bares e restaurantes antes de uma quebradeira geral.

Renata Vanzetto, do Ema, conta que teve que demitir 25 dos 125 funcionários e está desolada. "Bate um medo de falir, me estresso pela minha equipe, de ver a aflição, o medo e o desespero deles."

Thiago Bañares, do Tan Tan Noodle Bar, está num mood igualmente sombrio. "Numa escala de zero a dez, meu nível de estresse tá 20, e não é só o medo com a parte matemática, mas também medo de não poder voltar a receber as pessoas como a gente recebia, servindo no balcão, cozinha aberta; medo de perder o conceito que a gente construiu e ter que remodelar o Tan Tan.

Se hoje falei com esses dois, nos últimos dias venho seguindo pelo WhatsApp o crescente desespero de montes de outros chefs e donos de bares. A preocupação comum a todos? A folha de pagamentos e o medo de terem que demitir pessoas que dependem de seus empregos para alimentar suas famílias.

Muitos, exasperados com a falta de ajuda do governo federal, postaram gritos de guerra nas mídias sociais. O último desses posts diz em tom fúnebre: "S.O.S. Não deixe os trabalhadores do Brasil naufragarem! Os bares, cafeterias e restaurantes do Brasil estão afundando diante das incertezas e faltas de medidas do poder público. (...) Em todos os estados da Federação, de dentro de (nossas) casas gritam(os) a uma só voz! Salvem os brasileiros!" Mais de 200 chefs e empresários publicaram esse post —inclusive nomes de projeção nacional como Rafa Costa e Silva e Thomas Troisgros no Rio, e Alex Atala, Carla Pernambuco e Luiz Filipe Souza em São Paulo, formando uma gigantesca onda de protestos.

Finalmente —e tardiamente— chegou uma promessa de socorro, na forma da medida provisória nº 936.

Quem lê vê que foi desenhada para trazer alento, principalmente facilitando o pagamento de salários, com o governo financiando parte deles, de forma a desencorajar demissões em massa e a garantir ao menos alguma renda a milhões de trabalhadores do setor. Por exemplo: se um cozinheiro ganha R$ 3.000, o patrão pode fechar um acordo com ele para reduzir sua jornada e seu salário temporariamente. Nesse caso, o patrão passaria a pagar R$ 900, que seriam complementados por outros R$ 1.269 pelo governo. O cozinheiro conseguiria, assim, segurar as pontas durante o pior da pandemia. Vou poupar vocês do resto das regras estabelecidas: a MP contém três capítulos e 20 artigos, um palavrório sem fim.

"A MP tem que ser regulamentada por um decreto que ainda não saiu e que vai mostrar a você qual é o caminho para o restaurante se habilitar, qual é o formulário que deve ser preenchido. É um nó burocrático que o governo está colocando", diz o advogado trabalhista Renato Macedo. “E depois que o governo receber a papelada [do restaurateur], comunicando que quer aderir ao programa, ele pede mais 30 dias para pagar."

E cadê o decreto? Até agora, ninguém viu. Para Renato, essa lentidão é deliberada. "O governo fica dizendo que vai fazer, vai garantir (ajuda aos assalariados), mas não efetiva", para ganhar tempo.

Enquanto isso, as reservas dos empresários do setor de bares e restaurantes vão minguando, os funcionários que mantiveram seus empregos perdem o sono de preocupação e os demitidos, prefiro nem pensar.

Daí minha surpresa com o discurso otimista do Thiago. Passei a semana me debulhando em lágrimas acompanhando as notícias extremamente preocupantes e lutando para ajudar quase cem restaurantes a fazerem caixa para pagar salários (a quem interessar possa, minha iniciativa está descrita no site www.gggbrasil.org).

Para mim, portanto, ouvi-lo falar foi como abrir uma janela de uma casa de praia e deixar aquela brisa com cheiro de mato e mar entrar. Um bálsamo. Deus queira que a tragédia sanitária e financeira seja menor do que eu prevejo e que o tempo dê razão a ele.

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