Alexandra Forbes

Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

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É preciso transformar ruas em espaços de lazer após reabertura do comércio

Em vez de gastar tantas horas ensinando receitas em lives, chefs e bartenders poderiam se mobilizar mais

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Muito prazer, novo normal!

Aqui na França já há dezenas de milhares de bares, restaurantes e terraços cheios –e não há máscara ou álcool em gel que nos tire a alegria de comer e beber fora.

De vestido e sapatos rosa-choque, Bernadette, a dona do famoso Chez Hortense, no litoral sul da França, precipitou-se sobre nós na porta de entrada, sorridente e elétrica. “Bem-vindos!”, exclamou para o nosso grupo de mascarados com a animação de quem, em mais de 30 anos tocando o restaurante da sua família, raramente tirou folga. Era sábado passado, o primeiro serviço de almoço desde que foram obrigados a fechar em março.

Quando sentamos à mesa –com vista de cair o queixo para uma baía e dunas de areia– ela desatou a falar, tirou nosso pedido e aí prosseguiu com seu vaivém pelo ensolarado salão que logo foi enchendo de gente. Tiramos as máscaras –alívio!– e refestelamo-nos com mexilhões, fritas e peixes grelhados com molho de manteiga. Nem os garçons mascarados estragaram o clima festivo e alegre. Bernadette vinha a cada 15 minutos ver se corria tudo bem e falava com tanta energia que lançava uns perdigotos no visor acrílico com que protegia o rosto.

 L’Envers du Décor, na França, após fim do isolamento social
L’Envers du Décor, na França, após fim do isolamento social - Alexandra Forbes

Diz ela que só teve que retirar duas mesas do vasto salão. Essa perda de receita certamente é péssima para as finanças do Chez Hortense mas – ó egoísmo! – pareceu-nos uma delícia almoçar lá sem a superlotação e os altos decibéis de antes.

Almocei com amigos também no bistrô mais concorrido e conhecido de Saint-Émilion, o L’Envers du Décor e lá, também, notei mais espaço entre as mesas e uma atmosfera menos frenética e ruidosa do que de costume. Entrei de máscara, mas tirei segundos depois, logo que me sentei –não foi dificuldade nenhuma.

A reabertura gradual dos bares e restaurantes da França, que começou no dia 2 de junho, vem rolando gradualmente e sem solavancos. Para os proprietários tem sido bem custoso –tiveram de investir em máscaras, totens dispensadores de álcool em gel e outras medidas de segurança, além de abrirem mão de parte de suas mesas. Mas eu, como cliente, não tenho do que reclamar –muito pelo contrário!

Vejo muita gente no Brasil pintando um futuro fatalista em que máscaras e cuidados com o distanciamento destruirão a graça de comer fora. Eu, já vivendo o novo normal aqui na França, posso dizer que estão exagerando no pessimismo.

O ser humano acostuma-se a quase tudo. Lembro-me de quando o uso do cinto de segurança passou a ser obrigatório no Brasil –eu, ainda menina, achei aquilo uma estranheza, um exagero, um incômodo desnecessário. Hoje custo a acreditar que passei minha infância andando de pé no banco do passageiro com minha mãe ao volante, como se nada fosse. Outro exemplo: ninguém deixou de viajar depois que triplicaram as normas de segurança nos aeroportos, por mais chato que seja atravessar uma máquina de raio-X de meias.

Torço para que no Brasil a maioria das pessoas se adapte à nova realidade como eu, sem queixas e sem medo de frequentar bares e restaurantes. Eles precisam de nós para sobreviver! Basta entrar de máscara, evitar chegar muito perto dos outros e desinfetar as mãos com frequência.

Restaurante Chez Hortense, na França
Restaurante Chez Hortense, na França - Alexandra Forbes

Na verdade, o setor precisa de muito mais do que da boa vontade dos clientes. Precisa de ajuda do poder público. Não tem negócio que resista tendo que eliminar muitas mesas. O jeito é espalhá-las por uma área mais ampla, evitando ter de diminuir o número de couverts. Como? Ocupando pátios e jardins, no caso de quem os tem, ou calçadas, praças e até o asfalto, com a permissão das prefeituras.

Fechar ruas inteiras para o tráfego de carros –transformando-as em zonas de pedestres pontilhadas por mesas ao ar livre– pode ser solução viável. Deu certo em Nova York, já muito antes da pandemia. Em Paris, a prefeita Anne Hidalgo vai fechar quilômetros da famosa rue de Rivoli para os carros de passeio –apesar de forte resistência. E pretende fechar outras ruas mais.

A ideia de transformar certas ruas em áreas de passeio e lazer –permitindo que bares e restaurantes usem parte do espaço– está sendo testada em cidades no mundo inteiro, como nas americanas Bethesda, Tampa e Chicago (onde o projeto chama-se “Nossas Ruas”) e também em Madri, onde a prefeitura vai passar a permitir que mesas externas possam ocupar não só calçadas como vagas de estacionamento na rua.

Fácil não é. Desviar o tráfego de carros aumenta o trânsito e sempre haverá lojistas e moradores do contra. Mas nada tem sido fácil desde a chegada da Covid-19, né? Cidadãos do bem e empresários do setor, juntos, deveriam pressionar os órgãos públicos brasileiros para que autorizem a instalação de mesas em certas vias públicas e multipliquem os parklets.

Chefs e bartenders, em vez de gastar tantas horas ensinando receitas em lives na internet –são centenas ou milhares por dia, como é que ainda tem gente que aguenta?– poderiam usar seu tempo mobilizando mais do que já fazem. Mais vale um cliente consumindo numa mesa ou balcão –quando isso for permitido e seguro– do que em casa atrás de uma tela aprendendo a cozinhar e mixar drinques.

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