Napoleão dizia que quando se vence batalhas bebe-se champanhe por merecimento —e depois de derrotas, por necessidade.
Pois eu sigo a mesma lógica. Bebo quando vai tudo bem para celebrar, e bebo em crises como esta de agora para afogar as tristezas. A julgar pelos números divulgados recentemente pela Ideal Consulting, não sou a única. Nós, bebedores pandêmicos, somos muito mais numerosos e sedentos do que se imaginava.
Segundo a pesquisa da Ideal Consulting, de janeiro a julho foram vendidos 263,4 milhões de litros de vinho no Brasil, entre nacionais e importados —um aumento de 37% em relação a 2019!
Isso não quer dizer que todo mundo que faz ou vende vinho escapou da crise. Lembram da história dos três porquinhos ? As importadoras que já estavam com as finanças fragilizadas antes da crise ou que vendiam majoritariamente para restaurantes e bares, sem presença online, entraram na maior fria —como o porquinho que construiu sua casa de palha. As vinícolas produtoras de espumante, idem.
Tchau casamentos e festas, tchau brindes com borbulhas! Agora… Quem entrou na pandemia com o caixa sadio e uma loja virtual bem-feita e eficiente se deu muito bem. Especialmente os supermercados, que bateram recordes de vendas. E, claro, os e-commerces.
Eles são muitos, como Evino e as lojas online das importadoras Mistral e Grand Cru. Mas a Wine é a gigante que domina o setor. Só de Toro Loco, um vinho espanhol barato, ela vende 1,2 milhões de garrafas por ano.
Totalmente digitalizada, a Wine lucrou muito com a pandemia. Só em abril o número de clientes novos aumentou 30% em relação a abril de 2019. Em maio, esse número subiu outros 30%, somando, só nesses dois meses, 10 mil novos "sócios", que é como eles chamam os clientes que pagam uma assinatura anual e recebem duas garrafas por mês em casa.
Aprendi que o brasileiro anda comprando cada vez mais vinho não só para anestesiar a cabeça e esquecer as preocupações. O que o confinamento fez, de março a maio, foi cavar tempo livre para as pessoas descobrirem esse universo.
De repente, passamos a ter lives diárias no Instagram e degustações virtuais no YouTube e no Facebook todo dia (eu mesma apresentei algumas). Finalmente saquei que vinho é muito mais do que bebida. Virou, graças à internet, uma forma de entretenimento. Ou escapismo, como diz o CEO da Wine Marcelo d’Arienzo.
Algumas importadoras —a começar pela Wine— criaram clubinhos onde os sócios recebem, ao comprar uma assinatura, um monte de coisas e benefícios além de garrafas.
O mais bacana que vi até agora chama-se On Off Wine. Comprei deles o kit Vinhos do Brasil, que de beber mesmo só tem uma garrafa surpresa para ser degustada às cegas.
Paguei R$ 255,00 pela experiência, incluindo uma aula virtual sobre vinhos brasileiros, uma degustação explicativa (também virtual, claro) e flashcards com cara de baralho para eu estudar o material como se fosse uma brincadeira. Flashback total para meus anos de pirralha quando perdia de lavada nas partidas de jogo da memória com os primos!
Fisgando as pessoas pelo lado do entretenimento a Wine virou um negócio gigante. São 150 mil sócios e mil de garrafas de vinhos despachados anualmente para 5,5 mil municípios pelo Brasil afora (cerca de 11% nas regiões Norte e Nordeste, algo inédito). Em breve vão dar outro salto: entraram com um pedido de IPO. Fala-se que essa capitalização na bolsa deve injetar mais de 1 bilhão na empresa.
Meu marido, que faz vinho —mas ao invés de computador usa lápis e caderno para trabalhar— espanta-se com números tão tremendos. Alérgico a lives e impermeável ao meu fanatismo por degustações via Zoom, não compreende porque alguém pagaria para ouvir e ler um monte de blablabla sobre vinho.
Ele nunca comprou nada pela internet. Como eu, sofre vendo seus restaurantes favoritos à beira do abismo, bistrôs de bairro falidos e amigos sommeliers, há meses sem trabalhar, deprimidos. E repete desde o início da pandemia uma lição aprendida com seu tio, que fez fortuna comprando e reconstruindo vinícolas de Bordeaux que quebraram no rastro da Segunda Guerra Mundial. O velho André já dizia: "A desgraça de uns faz a felicidade de outros. Só não vê quem não quer".
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