Alexandra Forbes

Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

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Alexandra Forbes

Sai das trevas, dark kitchen!

As cozinhas que fazem comida só para delivery não entregam o principal

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Na semana passada, encomendei meu jantar da nova “dark kitchen” Osso Smash House do chef e açougueiro peruano Renzo Garibaldi, especializada em búrgueres de carne maturada. O termo me cai mal… afinal, de dark já basta a vida nesses tempos bicudos. Dark mesmo é a penúria que vive o setor de restaurantes. A cada dia caem por terra mais alguns, falidos.

Não bastasse o medo de muita gente de sair para comer, ainda tem um monte de restrições em vigor para dificultar, desde a proibição das mesas na calçada até a obrigação de fechar antes das 23h. Ter restaurante virou o pior negócio imaginável.

Lanche de hambúrguer fatiado ao meio
Lanche da Osso Smash House - Alexandra Forbes

Apesar do nome infeliz de “dark kitchen”, pelo menos esses novos restaurantes-sem-salão, que são cozinhas que só fazem comida para entrega, estão salvando os empregos de muita gente. Viva! Idem os restaurantes que sobreviveram nesta crise basculando seu modelo de negócios para focar em delivery.

Teve muita gente que não acertou a mão e ficou à míngua, porque mudar tudo de repente requer talento e sorte, mas chefs espertos como Rodolfo de Santis, dono do Nino Cucina e outros negócios, bombaram de vender.

Sorte a deles. E azar o nosso por termos a vida tolhida por essa maldita pandemia. Porque nem se um garçom de casaca preta e gravata borboleta tivesse subido o elevador para me entregar meu cheeseburguer numa bandeja de prata (ao invés de saco de papel) eu teria me alegrado como me alegro comendo num salão com gente em volta. Desejo longa e próspera vida ao delivery —mas deixem-me ser feliz jantando fora, que comida viajada e embalada não é para mim.

Não importa se estamos falando de um banquete japonês ou de um PF de R$ 10: tudo é mais gostoso servido assim que sai da cozinha e em prato de louça. A rainha paulista das quentinhas é a primeira a admitir. Rita Dalmaso, chefona da rede pública de restaurantes Bom Prato, sente falta de receber o público.

Desde o começo da pandemia, os Bons Pratos interromperam o serviço no salão e passaram a distribuir quentinhas —115 mil delas por dia pelo estado afora. O preço segue o mesmo —R$ 1 por refeição— mas antes a equipe dela servia comida com, de acompanhamento, uma farta porção de calor humano. “Faz muita diferença”, diz ela.

Não deve ser por acaso que o chef italiano Marco Renzetti inaugurou uma dark kitchen nos Jardins e pouco depois transformou-a em um restaurantezinho secreto. Ele, que teve que fechar sua Osteria Petirosso com a crise, achava que ia viver só de delivery. Mas aí um cliente descobriu que ele tinha montado uma dark kitchen e pediu para ir lá comer, depois outro, depois outro….

Pacote marrom
Embalagem de pedido da Osso Smash House - Alexandra Forbes

No fim foi tanta demanda que ele resolveu botar umas mesinhas, deu uma leve enfeitada no espaço sem luxo e a sua cozinha foi das trevas para a luz: renasceu como Fame Osteria. A alegria dele é evidente. No espaço pequenino ele cozinha ao lado dos poucos clientes, como se fosse em casa. Ele e sua mulher Erika são só sorrisos, calorosos que só.

Ah, e o peruano mestre em carnes, outro que adora estar perto de seus clientes, também vai sair do escuro…. O Osso Smash House deve abrir em breve um ponto na rua dos Pinheiros, pandemia encerrada ou não. A estratégia dos dois chefs de investirem no serviço presencial pode ser arriscada, porque as pesquisas de mercado indicam que as pessoas seguem temerosas de pegar vírus e o delivery só tende a crescer. Porém, acho que economistas subestimam a força de atração de restaurantes cheios de vida com mesas bem-servidas. Ainda estão para inventar delivery que entregue alegria junto com a comida.

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