Alexandra Forbes

Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

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Descrição de chapéu ifood

Amy, a garçonete-robô, é uma das inovações que vão mudar a gastronomia

Se vivemos tempos difíceis e magros de lucro, diversões, viagens e liberdades, atrevo-me a dizer que há um lado bom

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Que sorte a minha de não ser dona de restaurante. E que pesadelo tem sido, desde março, para quem o é!

Desde o prato feito mais fuleiro aos templos gastronômicos pluriestrelados, no Brasil e no mundo, poucos vão terminar 2020 bem de saúde (financeira).

Hoje recebi um e-mail promovendo a ceia de Natal do Mirazur, no sul da França, eleito restaurante número um do mundo no ranking 50 Best. Por 240 euros por pessoa, o chef-proprietário Mauro Colagreco faz chegar na casa do cliente —entregam por toda a França— uma ceia de seis serviços, além de pão e azeite, com um livrinho explicando como preparar tudo.

Até o vírus abater a Europa, Colagreco não dava conta dos milhares de fãs que ligavam no Mirazur pedindo para reservar mesa. A lista de espera era imensa, ele recebia convite para abrir negócios em diversos continentes e as finanças iam muito bem, obrigada. Aí a França parou, os restaurantes foram obrigados a fechar e Colagreco teve que dançar conforme a nova música para sobreviver, apesar do estrelato. Daniel Humm, outro cozinheiro premiadíssimo, fechou seu Eleven Madison Park em Nova York e está vendendo frango assado para viagem.

"The times, they are a-changin'", como já cantava Bob Dylan em 1964.

O chef-celebridade Daniel Boulud, francês radicado em Nova York e dono de um império de restaurantes, surgiu esta semana fazendo propaganda de chocolate quente em pó em seu Instagram —com seus dois filhos pequenos e sua mulher Katherine de coadjuvantes, todos fantasiados de Natal. No Brasil, Alex Atala entrou na onda das dark kitchens —cozinhas que só fazem pratos para delivery— lançando o Nóix, no último dia 3, certamente para compensar os prejuízos de deve estar tendo com seu famoso restaurante D.O.M.

Dada a gravidade da crise, entendo a lógica da corrida ao delivery e ao dinheiro fácil do merchandising. Mas delivery é uma faca de dois gumes. Se por um lado ajuda a gerar vendas e receita, por outro força muitos donos de restaurante a curvarem-se diante das gigantes que dominam o mercado —iFood, Uber Eats, Rappi etc.— que cobram comissões altas que podem chegar a 25% do valor do pedido. E sair vendendo produtos de massa nas mídias sociais é um band-aid que pode trazer dinheiro rápido mas periga causar danos irreparáveis à imagem de um chef.

Falar é fácil, eu sei… Mas eu, se fosse eles, focaria esforços em soluções de longo prazo e em perseguir e adotar tecnologias nascentes. Por exemplo: se meu restaurante fosse amplo eu importaria um robô inglês (sim, ele já existe, para venda ou alugel) que desinfeta ambientes usando raios ultra-violeta e o botaria para fazer o custoso e demorado trabalho de limpar salões e cozinhas várias vezes por dia. A mesma empresa vende também uma garçonete à prova de vírus chamada Amy que tira pedidos e serve drinques, com sorriso de luzinhas vermelhas e corpo em forma de vestido, bandeja acoplada às mãos.

Se meu foco fosse delivery eu ficaria de olho no lançamento —que chegará mais breve do que a gente pensa!— dos primeiros drones especialmente desenhados para entregar pacotes guiados por GPS. Eles já estão em plena atividade no Canadá e sendo testados em diversos países por gigantes como a Amazon. Uma startup de Franca, no interior paulista, criou o primeiro drone de entregas brasileiro, que já está fazendo testes autorizados pela Anac —Agência Nacional de Aviação Civil— inclusive em parceria com a iFood.

Robôs e drones podem parecer caros e inacessíveis —mas toda novidade tecnológica passa essa imagem no começo. Se os primeiros iPhones eram raros e vistos como produtos de luxo, hoje meia São Paulo tem o seu. Minha mãe septuagenária, com os meses de isolamento, virou craque em fazer encontros por Zoom —tecnologia que assustava pouco tempo atrás. Escanear um código QR para conseguir ler um menu parecia algo do outro mundo até a gente sair do confinamento e ter que se acostumar a frequentar restaurantes evitando encostar em objetos tocados por outros. Pedir um dry martini para a robótica Amy parecerá normal em uns anos.

Robô-garçonete - Divulgação

Não estou dizendo que robôs e drones vão salvar os restaurantes da crise. Otimizar processos e enxugar custos, idem, em casos específicos.

Só estou usando-os como exemplos de uma imensa onda de inovações que já está aí, acontecendo de forma pulverizada em universidades, startups, laboratórios e think-tanks pelo mundo afora e que deverá melhorar as vidas de milhões de pessoas —inclusive os tão castigados donos de restaurantes.

Estamos vendo surgir desde bolha de água comestível, que elimina a necessidade das garrafas plásticas, a alimentos proteicos sintetizados a partir de descartes vegetais. Se vivemos tempos difíceis e magros de lucro, diversões, viagens e liberdades, atrevo-me a dizer que há um lado bom. São tempos ricos em invenções, inovações, descobertas, aprendizados e empreendedorismo.

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