Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Alexandre Schneider

Mentiras sinceras não interessam

Escolas devem preparar estudantes para navegar em meio a miríade de notícias em redes sociais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O nível de queimadas em 2019 foi o menor da história. Estamos queimando o "pulmão do mundo”, responsável por 20% do oxigênio da Terra. As queimadas da Amazônia foram realizadas por ONGs, insatisfeitas com a perda de recursos públicos. O Fundo da Amazônia foi criado pelos governos da Alemanha e da Noruega com o objetivo de manter presença no território financiando ONGs internacionalistas, uma intervenção indireta que fere a soberania nacional.

As últimas semanas foram pródigas em afirmações peremptórias sobre as queimadas na região amazônica. A grande maioria delas, falsa. 

O nível de queimadas em agosto de 2019 foi quase três vezes superior ao do mesmo período em 2018. A Amazônia não é o “pulmão do mundo”. A floresta consome praticamente todo o oxigênio que produz.

Cerca de 90% das queimadas na Amazônia são de origem criminosa e não provocadas por ONGs, como sugeriu nosso presidente. 

Os recursos do Fundo da Amazônia são administrados pelo governo brasileiro e a definição dos investimentos cabe a duas comissões indicadas pelo governo, sem ingerência dos seus financiadores, os governos da Noruega e da Alemanha. Em 2018 a maior parte destes foi destinada a projetos de governos e universidades, tendo financiado até mesmo o uniforme dos brigadistas de incêndio.

A gravidade da situação, que além do prejuízo ambiental pode ter impacto econômico e diplomático, leva a duas reflexões para área da educação: como trabalhar as questões ambientais de forma ampla e adequada nas escolas? Como as mesmas devem preparar seus estudantes para navegar no universo das fake news? 

A articulação do currículo com os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) da ONU, como já faz de forma pioneira a cidade de São Paulo desde 2017, é um bom caminho para responder a primeira questão. Os ODS são um conjunto de 17 objetivos e 169 metas a serem atingidas até 2030 pelos 193 países signatários da ONU voltados ao desenvolvimento sustentável.

Articular os ODS ao currículo permite discutir em sala de aula a importância da Amazônia para o desenvolvimento da biotecnologia e a relação desta com a nova economia, a preservação das espécies, a regulação das chuvas necessárias ao abastecimento de água e à agricultura de outras regiões do país, o respeito aos seus povos originários. 

Permite também discutir que os dilemas de escolha entre desenvolvimento e preservação ambiental não são excludentes, como vem mostrando boa parte do agronegócio brasileiro e a Coalizão Brasil Clima, que reúne entidades ambientalistas e representantes do agronegócio em busca de soluções conjuntas. As discussões possíveis vão além, agregando também o impacto das cidades nas mudanças climáticas, articulando as realidades vividas pelos estudantes à discussão.

As redes mudaram a forma como se consome e se produz informação. Antes unidirecional, de um veículo de mídia para a massa, hoje multidirecional, com múltiplos atores produzindo e distribuindo “notícias". 

O que denominamos "fake news" não é algo necessariamente novo e nem deixará de existir. O que ocorre é que as redes ampliaram sua capacidade de influência. 

Enquanto muitos discutimos a necessária formação dos professores para lidar com novas tecnologias, é imperioso dar um passo adiante. A escola deve se preocupar em formar os estudantes para —de forma independente, autônoma e crítica— navegar em meio a essa miríade de fontes, notícias e interações proporcionadas pelas redes sociais. 

O desafio é maior do que ensinar a selecionar fontes e a leitura crítica do que estas emitem. A sala de aula deve se transformar em um ambiente mais colaborativo, que possibilite ao estudante se expressar livremente, valorize suas opiniões, posições divergentes das suas e a discussão sobre estas de forma estruturada. 

Desafiar os estudantes a produzir informações e submetê-las ao escrutínio dos colegas, discutir as fontes de informação que estes utilizam no dia a dia e comparar a abordagem do mesmo fato por canais distintos —inclusive grupos de WhatsApp— são exercícios valiosos.

A destruição da Amazônia fere a autoestima de todos nós, brasileiros. Macula a imagem do país internacionalmente. É preciso reverter o desmonte do sistema de fiscalização ambiental e dos órgãos de pesquisa científica em curso.

Mas é fundamental que os projetos pedagógicos de nossas escolas valorizem o conhecimento científico, a questão ambiental em todas as suas dimensões e a capacidade de consumir e analisar de forma crítica e autônoma o mar de informações que nos é bombardeado diariamente.

Como nos ensinou o Nobel de Física Richard Feynman: "Devemos ter cuidado para não acreditar nas coisas simplesmente porque queremos que elas sejam verdadeiras. Ninguém pode enganar você tão facilmente quanto você pode enganar a si mesmo.”

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.