Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

O grito de Greta

Ativista, que fez discurso duro na ONU, lidera movimento de jovens para conter aquecimento global

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Durante a Semana do Clima na ONU a jovem ativista sueca Greta Thunberg foi o centro das atenções.

Em primeiro lugar por liderar um movimento global de jovens de diversos países em relação aos efeitos do aquecimento global. Segundo, por seu duro discurso na ONU, que motivou as mais diversas reações —das teorias conspiratórias baratas ao questionamento de sua legitimidade e, por óbvio, sua defesa.

No Brasil, dada a atenção mundial provocada pelo aumento do desmatamento da Amazônia, a cacofonia envolveu uma mistura de negacionismo climático, pretensa defesa da soberania nacional e preconceito.  

Para além dos reparos ou não à forma do discurso de Greta e da necessária defesa de um modelo de desenvolvimento sustentável da Amazônia, vale pensar no que nossas cidades e nossas escolhas individuais e coletivas contribuem para o aquecimento global. 

A ativista adolescente Greta Thunberg, 16
A ativista adolescente Greta Thunberg, 16 - Andrej Ivanov - 27.set.2019/REUTERS

No caso da cidade de São Paulo, há vários desafios. A adoção de uma política de iluminação pública eficiente, de medidas que promovam a redução da geração de lixo e a ampliação da coleta seletiva, que caiu 14% no ano passado, são desafios importantes. Somam-se a eles duas questões interligadas: a organização da ocupação da cidade e a mobilidade urbana. 

Nos últimos cinco anos, enquanto crescia a devastação na Amazônia, a cidade de São Paulo perdeu 500 mil árvores. 

O levantamento, elaborado por uma comissão da Câmara Municipal de São Paulo, tem uma face ainda mais grave: a maioria dessas árvores foi derrubada nas regiões de manancial da zona sul da cidade, ao redor das represas Billings e Guarapiranga, responsáveis pelo abastecimento de água de mais de cinco milhões de pessoas. 

Desde 2012, quando foi interrompida a Operação Defesa das Águas, uma iniciativa conjunta do Governo Estadual e da Prefeitura de São Paulo que envolveu suas secretarias do Meio Ambiente, Habitação, subprefeituras, as polícias e a Guarda Civil Metropolitana, multiplicaram-se os loteamentos clandestinos e, com eles, a devastação. 

Nova York, desde os anos 80, escolheu um caminho diferente. Pressionada pela adoção de novas regras de qualidade da água implantadas pelo governo americano, a cidade passou a comprar terras nas regiões de manancial e a apoiar agricultores locais a protegê-las.

Aprendeu que preservar nascentes é muito mais barato e eficaz do que investir na purificação da água suja. Hoje seus cidadãos têm a água de melhor qualidade dos Estados Unidos e não sofreram problemas de racionamento com as secas recentes.

Proteger os mananciais, remover loteamentos clandestinos, em que a população vulnerável é explorada na maior parte das vezes por criminosos, como aponta o relatório da Câmara Municipal são medidas urgentes.

Utilizar os instrumentos legais presentes no Estatuto da Cidade, no Plano Diretor aprovado em 2014 e a lei do IPTU progressivo é fundamental para tornar a cidade mais compacta e ocupar o centro de São Paulo.

Além de ajudar a desestimular a ocupação de seus limites, ela contribuiria para apoiar uma melhor organização dos deslocamentos internos, aproximando casa e trabalho. 

A mobilidade é outro componente importante. O transporte sobre trilhos, menos poluente, exige investimentos muito altos e de prazo longo. O sistema de ônibus, mais poluente, vem desde 2004 postergando metas da troca do diesel por combustíveis mais limpos, com os pulmões dos paulistanos pagando a conta. 

O sistema, ademais, vem se demonstrando caro, ineficiente financeiramente e mal avaliado pelos usuários. Segundo a última Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE, as pessoas gastam cerca de 15% de sua renda com transporte na Região Metropolitana de São Paulo. 

Os pesquisadores da FGV-SP Miguel Jacob e Ciro Biderman demonstram em um estudo recente que embora o subsídio à tarifa de ônibus —valor que o município transfere às concessionárias de ônibus além do arrecadado com o valor das passagens— seja o triplo do que era há 10 anos, o preço final para o usuário continua o mesmo em termos reais desde 2005 e o número de passageiros não subiu. 

A justificativa para subsidiar o transporte público, que só na cidade de São Paulo deve chegar a R$ 3 bilhões este ano, seria a de motivar a troca do transporte individual pelo coletivo. Mas como o estudo da FGV-SP demonstra, isso não ocorre na cidade. 

O sistema tampouco agrada aos usuários. A pesquisa de opinião pública “Viver em São Paulo: mobilidade urbana”, divulgada em setembro pela Rede Nossa São Paulo em conjunto com o IBOPE, aponta o preço, a frequência e a pontualidade como fatores que, na visão dos usuários, contribuem para a má avaliação do sistema. 

Greta Thunberg conseguiu o que os cientistas do clima sempre sonharam: mobilizar uma geração em torno de um tema árido, pois dialoga com um futuro no qual muitos de nós não estaremos presentes.

Em vez de analisar sua narrativa, seria importante que nós olhássemos para como a organização das nossas cidades contribui para a devastação ambiental e para o aquecimento global.

É certo que temos restrições financeiras para adotar tecnologia e investimentos menos poluentes. Mas o principal obstáculo é político e cultural. Precisamos vencê-lo. 

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