Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Alexandre Schneider

A banalidade do mal

As mortes em Paraisópolis merecem repúdio, empatia em relação às vítimas e suas famílias e a reflexão sobre o trabalho da polícia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

“Acho que nunca me sonharam sendo um psicólogo, nunca me sonharam sendo professor, nunca me sonharam sendo um médico, não me sonharam. Eles não sonhavam e nunca me ensinaram a sonhar. Tô aprendendo a sonhar.” 

As palavras do jovem Felipe, estudante de uma escola pública no Ceará, deram nome ao belo documentário “Nunca me Sonharam”, de Cacau Rhoden, sobre os sonhos e desafios daqueles que vivem o ensino médio nas escolas públicas brasileiras. Elas me vieram à mente quando tomei conhecimento da desastrosa operação policial em Paraisópolis, que culminou com a morte de nove jovens em um baile funk.

O que aconteceu em Paraisópolis merece repúdio, empatia em relação às vítimas e suas famílias e a reflexão sobre como a polícia deve garantir a ordem social em uma democracia. 

O elevado número das mortes decorrentes de intervenções policiais, que produziu mais de 6 mil vítimas no Brasil em 2018, vai na contramão do que se espera de uma polícia democrática e eficiente.

As mortes causadas por policiais têm gênero, faixa etária e cor. Segundo o último Atlas da Violência do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os mortos são em sua maioria homens (99,3%) jovens entre 15 e 19 anos (77, 9%) e negros (75,4%).

Também têm endereço certo. Em São Paulo ocorreu em apenas 20 dos 645 municípios do estado, segundo a pesquisadora Samira Bueno. E na cidade de São Paulo estão concentradas nas regiões Norte e Leste, enquanto os homicídios comuns ocorrem predominantemente nas regiões centro e sul. 

É impossível não estabelecer uma conexão entre a ampliação da letalidade policial no Brasil e o discurso corrente de que o aumento da ação violenta e das mortes causadas pela polícia ajudou a reduzir o crime e os homicídios no país. Não há o menor fundamento para isso.

No caso do Estado de São Paulo, um exemplo de sucesso na redução de homicídios, a vertiginosa queda neste índice não guarda nenhuma relação com a letalidade policial.

A taxa de homicídios por 100 mil habitantes registrada em 2001 é cinco vezes maior do que a registrada em 2018. Durante o maior período de queda, a letalidade policial se manteve estável, vindo a crescer apenas em 2014, para em seguida se estabilizar.

O Rio de Janeiro tem a polícia que mais mata no Brasil. A média mensal do número de mortes provocadas por policiais subiu de 54 no ano de 2015 para 128 em 2018. Até agosto desse ano a média foi de 156 por mês. Em contrapartida, o Rio é o décimo-primeiro estado mais violento do país.

Ao analisar os dados de um período de 16 anos do Rio de Janeiro, o Centro de Pesquisas do Ministério Público do Estado concluiu que o aumento da letalidade policial em um batalhão ou delegacia em um determinado mês não está correlacionado à redução de crimes contra a vida e contra o patrimônio no mês seguinte na mesma área. 

No Brasil e no exterior há diversas evidências científicas sobre as causas da variação nos homicídios. Ciclos de violência, demografia, alterações no mercado de entorpecentes ilícitos, controle de armas, o monopólio do território por uma determinada facção criminosa e intervenções de política pública de segurança estão bem documentados como fatores que influenciam na variação das taxas de homicídios. 

Dentre as intervenções de política pública, destaca-se em São Paulo o melhor uso de sistemas de informação desde o início dos anos 2000, apoiando as decisões de patrulhamento e investigação policiais.

A ampliação da letalidade policial, portanto, além de humana e moralmente indefensável, é ineficiente e contraproducente, pois não ataca a raiz do problema da violência urbana e, ao contrário, contribui para ampliá-la. 

O discurso de diversas autoridades promovendo a ampliação da violência policial como forma de combater e reduzir o crime tem o efeito perverso de estimular decisões ilegais e violentas por parte dos policiais que estão nas ruas, além de colocar em risco a vida dos próprios policiais e de inocentes, especialmente aqueles que vivem em comunidades vulneráveis nas grandes cidades brasileiras. 

A população está, com razão, assustada com a violência. Em vez do discurso fácil e perigoso, a resposta deve ser a do investimento em inteligência policial, patrulhamento em áreas de maior incidência criminal, integração das polícias civis e militares, o fortalecimento dos órgãos de controle das polícias e a articulação de políticas sociais, especialmente as voltadas à juventude.

Discursos e decisões governamentais baseados na demagogia e no populismo matam sonhos de jovens como Felipe e de jovens como os de Paraisópolis.

De forma lenta, ao não lhes garantir educação e saúde de qualidade, ou abrupta, por meio da agressão ou de uma bala perdida. Não há maior violência do que um futuro interrompido.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.