Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

Obrigado, Titi, por ensinar a meu filho que a deficiência é um caminho para o aprendizado

Estudos demonstram que as crianças com deficiência se desenvolvem mais no ensino regular

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"Eu aprendi que toda pessoa é única, que cada um de nós tem suas dificuldades e qualidades”. Essa é a ultima frase do conto que Tomás, meu filho de 11 anos, escreveu a pedido de sua professora de inglês, aqui em Nova York, onde residimos desde agosto deste ano.

A tarefa dada aos alunos era de que escrevessem sobre um acontecimento marcante deste ano. Tomás escolheu falar de como conheceu e se relacionou com Cristiano, ou Titi, como é conhecido na escola em que estudou no primeiro semestre no Brasil, seu amigo com transtorno do espectro autista (TEA).

O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento, assim chamado dada a grande variabilidade de casos em que há um grau de comprometimento nas áreas de comportamento, comunicação e interação social.

O autismo só foi reconhecido como deficiência no Brasil em 2012, o que permitiu que o Estado pudesse apoiar crianças com esta condição.

Caderno de atividades de uma criança com autismo (30/03/2018) - Zanone Fraissat/Folhapress

Não há um levantamento do total de casos no Brasil, mas as estimativas dão conta de um número de 2 milhões de pessoas com algum tipo de manifestação. Nos Estados Unidos, uma pesquisa do Center for Disease Control and Prevention (CDC) identificou a prevalência de TEA em 1 em cada 59 crianças no ano de 2014.

O aumento do número de identificação de casos e a alta variabilidade de manifestações impõem um desafio às áreas de saúde e educação. Hoje é possível a identificação do autismo com poucos meses de vida, ao contrário do passado, quando esta ocorria entre 5 e 6 anos de idade.

A identificação precoce permite iniciar o tratamento mais cedo. O grande desafio na área da saúde pública é garantir a possibilidade de identificação e tratamento precoce. Isso exige a presença de pediatras nas unidades de saúde com formação adequada, equipes multidisciplinares e tratamento individualizado. Ainda estamos longe disso.

Na educação, por seu turno, os desafios não são menores. Além de formar professores e profissionais da área, se faz necessária uma rede de apoio aos estudantes com deficiência e aos educadores, dentro e fora da escola.

A cidade de São Paulo é, há anos, um bom exemplo de inclusão na educação. Em 2010, com um grupo de educadores da rede municipal de educação e especialistas de diversas áreas, participei do desenho e implementação do Inclui, um programa de inclusão na educação regular que conta com estagiários em sala, transporte escolar adaptado, auxiliares de vida escolar para alunos com deficiências severas, formação de professores, salas de recursos para atividades em pequenos grupos no contraturno escolar com professores formados para atendimento escolar especializado e materiais de apoio a alunos e professores.

O programa foi aperfeiçoado por todos os secretários de educação que seguiram depois de sua criação e é hoje uma referência no país. Hoje os pais de crianças com deficiência preferem matriculá-los na rede paulistana e não é incomum a transferência de estudantes de escolas privadas para a rede de São Paulo em busca de um melhor atendimento.

Estudos recentes demonstram que as crianças com deficiência se desenvolvem mais no ensino regular. Também há indicadores de que as demais crianças da escola se desenvolvem melhor com essa interação. Para que essa experiência seja rica e exitosa não basta apenas formar professores, garantir a acessibilidade física das escolas, prover materiais adaptados.

É necessária uma mudança cultural, que envolva os profissionais que compõem a escola (diretores, coordenadores pedagógicos, professores, funcionários) em uma busca coletiva e colaborativa do desenvolvimento das potencialidades dos estudantes com deficiência.

Quando secretário de educação de São Paulo e como estudioso do tema pude presenciar experiências efetivas de inclusão escolar que proporcionaram o desenvolvimento de um grande número de crianças e adolescentes, da creche ao ensino médio, superando as expectativas iniciais de seus pais e dos educadores.

Como pai, acompanhei de perto a curiosidade do meu filho sobre como seria o novo colega de classe após o anúncio da escola para preparar a turma, as pesquisas sobre autismo na internet, o relato de suas conversas com o tutor de seu novo amigo.

Também acompanhei as histórias de como os colegas e os professores organizaram brincadeiras e jogos que incluíram Titi, a sua alegria ao contar como apoiava o amigo nos exercícios de equilíbrio nas aulas de educação física e seu contentamento com os progressos que testemunhava.

Esta coluna é publicada entre o Natal e o Ano Novo, período em que muitos de nós nos dedicamos a rever o ano perto de findar e a desenhar nossos futuros possíveis para aquele que chega.

Hora que agradeço ao pequeno Titi por tudo que ensinou ao meu filho. Desejo que mais crianças com deficiência sejam verdadeiramente incluídas nas escolas e nas políticas públicas. E que cada um de nós verdadeiramente acredite que a diversidade é o maior tesouro da nossa espécie. Reconhecê-la é a reafirmação da nossa condição humana. Feliz ano novo!

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