Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

Toda criança deve poder desenvolver seu potencial pleno

Pesquisas no Brasil e no mundo demonstram que a inclusão de pessoas com deficiência em escolas regulares amplia as potencialidades dos estudantes

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“Você não precisa ter ciúme, filho. Duda é apenas diferente de vocês três, e precisa de nós todos juntos para crescer feliz”.

A frase da minha mãe —quando ainda pequeno a acompanhava em suas reuniões com outras mães na Apae (Associação de Pais e Mestres de Excepcionais) de São Paulo— sempre me vem à mente quando me deparo com os desafios que as pessoas com deficiência e seus familiares enfrentam no Brasil.

Até o fim da década de 1990, pessoas com deficiência intelectual frequentavam ambientes específicos e segregados.

Em meados daquela década, a Unesco promoveu a Declaração Internacional de Salamanca. Esta, que teve o Brasil entre os países signatários, é o ponto de partida para o entendimento de que as escolas regulares com orientação inclusiva são o melhor caminho para a redução da discriminação, o melhor acolhimento e desenvolvimento de crianças com ou sem deficiência.

Alunos confeccionam colares nas aulas de Artes Plásticas do Instituto Jô Clemente
Alunos confeccionam colares nas aulas de Artes Plásticas do Instituto Jô Clemente - Karime Xavier - 30.nov.2019/Folhapress

O Brasil aprovou uma legislação avançada na área da educação inclusiva, com orientações que compreendem desde questões curriculares até a necessidade de adaptação dos ambientes escolares, tecnologia assistiva para apoiar a aprendizagem dos alunos, a previsão de um atendimento escolar especializado no contraturno escolar e outras medidas.

Pesquisas no Brasil e no mundo têm demonstrado que a inclusão de pessoas com deficiência em escolas regulares amplia o desenvolvimento e as potencialidades de todos os estudantes. 

A própria Apae de São Paulo, hoje Instituto Jô Clemente, acaba de lançar uma pesquisa que reforça essas conclusões. 

O Instituto acompanhou o desenvolvimento de 109 estudantes com deficiência intelectual leve e moderada desde 2012.

Um grupo de estudantes foi matriculado em escolas regulares, com atendimento escolar especializado no contraturno. Outro grupo, por decisão dos pais, permaneceu em escolas especiais. 

Os estudantes que frequentaram escolas regulares tiveram desenvolvimento superior em todas as áreas analisadas.

Segundo a pesquisa, estes “apresentaram avanços significativos em termos de autonomia, independência, relacionamento interpessoal, postura de estudante e comunicação receptiva e expressiva”.

Desde 2010 a cidade de São Paulo tem um programa exemplar na área, tendo sido reconhecido pelo Ministério Público e por entidades especializadas.

A cidade conta com transporte escolar gratuito, materiais pedagógicos e mobiliário adaptados, auxiliares formados para trabalhar com alunos com deficiências mais severas, estagiários para apoiar os professores em sala de aula e até mesmo avaliações escolares adaptadas. 

Também as escolas privadas se abriram e se adaptaram. O número de estudantes com deficiência matriculados em escolas regulares aumenta anualmente, o que demonstra a confiança dos pais e das escolas nas potencialidades da inclusão.

É verdade que há ainda um caminho a percorrer para a realização plena da inclusão educacional, mas os avanços até o momento são enormes.

E é por isso que todos devemos estar atentos aos últimos movimentos —ainda não claros— do governo federal em relação à área.

Nesse momento, o Ministério da Educação e o Conselho Nacional da Educação estão revisando as diretrizes nacionais referentes ao atendimento de estudantes com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

A discussão ainda não é pública, mas os movimentos recentes do governo federal são preocupantes. Em decreto publicado em 30 de dezembro de 2019 o governo reestruturou a área responsável pela política de educação inclusiva apontando para o retorno ao passado, quando as crianças eram segregadas em salas e escolas especiais. 

Meu irmão mais velho, Eduardo, tem hoje 52 anos e não pôde viver a realidade da inclusão. Hoje, meus pais, assim como tantos outros, lidam com outro desafio, que é o de imaginar como ele deve lidar com a deficiência na velhice. 

O destino nos trouxe Bruno, um sobrinho com deficiência intelectual com 18 anos atualmente. Bruno faz parte da geração educada em escolas regulares, fez curso técnico e hoje trabalha, para orgulho e alegria de nossa família. 

Não é justo negar às crianças com deficiência o acesso ao direito de desenvolver plenamente suas potencialidades.

Está nas mãos do governo federal e da sociedade brasileira decidir se querem apostar no desenvolvimento pleno das pessoas com deficiência ou se prefere fechar os olhos e voltar a segregá-las socialmente.

Sigamos juntos. Com o coração, a mente e, sobretudo, os olhos bem abertos. Todas as crianças devem aprender juntas.

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