Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Cabe ao Brasil decidir se quer ser Itália ou Coreia do Sul

Vencer coronavírus exige liderança, criatividade, disciplina, informação e união de propósitos

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O número de novas infecções pelo coronavírus cresce exponencialmente no mundo. Fronteiras são fechadas, milhões de pessoas se fecham em suas casas, os governos ampliam diariamente as medidas de restrição ao convívio social.

Japão, Singapura, Coreia do Sul, Taiwan e Hong Kong, após sofrer com as epidemias anteriores (Sars e H1N1), revisaram totalmente seus protocolos de saúde, possibilitando a rápida identificação das pessoas infectadas e da cadeia de pessoas que tiveram contato com elas. Restrições a viagens, cancelamento de eventos, fechamento de escolas e campanhas massivas para que as pessoas fiquem em casa foram tomadas.

No momento em que escrevo este artigo, a Coreia do Sul apresentou 8.236 infectados pelo novo coronavírus, com 75 mortos. A Itália apresentou 24.747 casos e 1.809 mortos, segundo o Centro da Universidade de Johns Hopkins (CSSE) que acompanha globalmente a doença. Ou seja, a Itália apresenta até o momento o triplo de infectados em relação à Coreia do Sul e 136 vezes o número de mortos, sem contar aqueles que perderam suas vidas dado o colapso do sistema de saúde italiano.

Caberá ao Brasil decidir se quer ser Itália ou Coreia do Sul, o que exigirá a forte atuação dos governos em políticas públicas setoriais e econômicas. Também é necessário que cada um de nós se dedique a cuidar de si e dos outros.

Nos Estados Unidos, onde resido atualmente, a cada dia medidas restritivas são tomadas, especialmente pelos governos estaduais e locais. O governador do estado de de Nova York diariamente divulga os dados relativos à pandemia no estado, anuncia medidas e pede o apoio da população para que a crise seja vencida com menos sofrimento.

Na cidade de Nova York, as medidas iniciais foram de fechamento das escolas. Os alunos terão aulas a distância partir da próxima. Aqueles que não possuem equipamentos poderão buscá-los em suas escolas ainda esta semana.

A meca do entretenimento nova-iorquino, a Broadway, foi fechada, assim como os museus, teatros, bibliotecas e casas de shows. Academias de ginástica e restaurantes funcionarão com horários restritos.

Os restaurantes a partir de amanhã só poderão estar abertos para entregas a domicílio ou para quem for buscar comida nos estabelecimentos. As cirurgias eletivas nos hospitais começaram a ser canceladas, para que estes possam atender apenas emergências e as futuras internações decorrentes da pandemia.

Todas essas medidas terão impacto brutal na economia da cidade. Esse é o grande problema dessa crise: a melhor forma de lidar com seus efeitos na saúde pública impactam na economia. Como é impossível conter a contaminação em larga escala, as medidas devem ser tomadas para que essa se distribua no tempo, evitando um pico que leve o sistema de saúde ao colapso.

A China anunciou nesta segunda que os efeitos da pandemia na economia do país foram devastadores. Os dados oficiais registraram um aumento do desemprego entre dezembro de 2019 e janeiro deste ano.

Também anunciou quedas de 20,5% nas vendas, 13,5% na produção industrial e de 25% nos investimentos nos meses de janeiro e fevereiro desse ano em relação aos mesmos meses no ano passado. É a pior crise do país em décadas, que deve se intensificar, segundo analistas e o próprio governo chinês.

A crise, portanto, terá consequências brutais nos próximos meses. Não há pior momento para que chegue ao Brasil, com a economia fragilizada, alta desigualdade e a combinação explosiva de negacionismo científico e da crença no Estado Mínimo pelo atual governo.

A economista Monica de Bolle há algumas semanas vem martelando a necessidade de se abrir espaço para o aumento do investimento público como mecanismo de combate à crise, que deve ser mais grave do que a crise de 2008. Antes praticamente solitária, Mônica hoje conta com um maior número de economistas que concorda com essa visão. A diferença hoje se dá em relação a qual o mecanismo mais adequado para fazê-lo.

Até mesmo o ministro Paulo Guedes parece ter mudado de ideia, talvez por ter descoberto que a a velocidade propagação do vírus e de seus efeitos não obedecerão às expectativas de aprovação das reformas propostas pelo governo.

O estado de São Paulo, que deve ser o epicentro da pandemia no Brasil, saiu na frente ao cancelar as aulas, fechar seus museus, teatros e salas de espetáculo. São medidas importantes, mas ainda tímidas se comparadas às adotadas em outros países, o que deve implicar uma ampliação das restrições nos próximos dias.

É preciso ir além da restrição da circulação, cuidando das populações mais vulneráveis: idosos, trabalhadores informais, empregados domésticos, pessoas que vivem em habitações precárias, pessoas em situação de rua e pessoas privadas de liberdade.

O governo federal deveria seguir o exemplo de São Paulo e usar o BNDES para criar linhas de financiamento para micro, pequenas e médias empresas. Também deveria ampliar os recursos destinados ao Sistema Único de Saúde e coordenar as ações com estados e municípios.

Na proteção social, é necessário um aumento nos recursos destinados aos beneficiários do Bolsa Família, especialmente daqueles que terão suas vidas impactadas pelo fechamento das escolas, muitas vezes o único lugar onde crianças e jovens têm acesso a refeições adequadas. O aumento do número de beneficiários para que se proteja aqueles que trabalham em condição precária ou informal e serão pegos em cheio pela crise deve ser pensado.

Também devem ser reforçadas as equipes de saúde da família para que atuem nas comunidades onde predominam as habitações precárias. Em muitas delas, idosos, adultos, crianças e jovens compartilham a mesma habitação, sem ventilação e condições de higiene adequadas.

O vírus chegará a essas comunidades em breve. A informação sobre os cuidados necessários para evitar sua transmissão e um sistema de monitoramento das condições de saúde dessa população precisa chegar antes.

A população em situação de rua, que só na cidade de SP aumentou em 60% nos últimos quatro anos, e aqueles que cumprem pena em presídios superlotados merecem políticas específicas, dadas suas condições insalubres e a elevada presença de doenças de base.

Como indivíduos, nos cabe adotar medidas de higiene prescritas, cuidar dos idosos de nossas famílias e, para aqueles que contratam mensalistas e diaristas, manter seus vencimentos para que possam ficar em casa durante a crise.

Estamos no prenúncio de uma situação de guerra. Vencê-la exige liderança, criatividade, disciplina, informação, união de propósitos e um sentimento de interdependência que nos leve a cuidar dos outros como cuidamos de nós e das nossas famílias. A escolha é nossa.

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