Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

Aprovar o Fundeb é uma escolha ética

Todos que acreditam que a educação é o caminho para o desenvolvimento de cada um e da economia devem estar atentos à votação

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Após cinco anos de discussão e intensa disputa, projeto de lei que institui a PEC do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) deve ser objeto de votação no Congresso. Todos aqueles que acreditam que a educação é o principal caminho para alcançar o desenvolvimento de cada pessoa e da economia de um país devem estar atentos à essa votação.

O “fundo” é a principal fonte de financiamento da educação básica pública brasileira. Desde sua criação foi responsável por enormes transformações na área. A distribuição dos recursos se tornou menos desigual entre estados e municípios ricos e pobres, professores leigos foram substituídos por especialistas, o Brasil está próximo de universalizar a pré-escola —algo que um país rico como os Estados Unidos ainda corre atrás e está longe de conseguir.

O Fundeb é, inclusive, uma política pública reconhecida internacionalmente, seja pelos resultados alcançados, seja por ser exemplo de maturidade política. Criado no governo Fernando Henrique Cardoso, foi mantido e aperfeiçoado no governo Lula, antípoda dos tucanos entre 1994 e 2014. A comissão especial da Câmara dos Deputados honrou essa tradição ao aprimorar as regras atuais para torná-lo ainda mais redistributivo.

Os 27 fundos estaduais que compõem o Fundeb são constituídos por impostos arrecadados em estados e municípios. Nas regras vigentes, o volume total arrecadado em cada estado é distribuído entre esse e os municípios de acordo com o número de alunos de cada rede. E para elevar o patamar mínimo dos estados mais pobres, a União é obrigada a complementar com no mínimo 10% do total arrecadado (o mínimo, na prática, virou teto).

O relatório que apresenta a proposta da PEC vem sendo “bombardeado” em alguns pontos. O primeiro deles é por ampliar o aporte da União no fundo. Demanda antiga dos estados e municípios, responsáveis pelo provimento da educação básica, essa ampliação se dará de forma escalonada, chegando a 20% em seis anos e com novas regras que beneficiam as redes mais pobres, independente do estado em que se encontram. Em uma conta “grossa”, caso o relatório seja aprovado na forma proposta, o valor a ser repassado pela União no ano que vem corresponderia a um aumento mensal de R$ 7,27 por aluno. Um café e um pão de queijo, pequeno.

Vale lembrar que a lei que instituiu o Plano Nacional de Educação previu que em 2024 deveremos ter 50% das crianças em idade de creche matriculadas. Hoje estamos estacionados em menos de 40%. Essa etapa de ensino é que exige mais investimento, dada a menor proporção de alunos por professor. Temos apenas 11% dos estudantes dos ensinos fundamental e médio matriculados em escolas de educação integral. Ainda não garantimos a todas as crianças entre 4 e 5 anos o direito à educação infantil. Esses e outros desafios não serão superados sem um maior apoio do Governo Federal aos estados e municípios brasileiros.

O segundo ponto é o de que a previsão de utilização de 70% do fundo com salários dos profissionais da educação engessa o orçamento da educação. A mera observação da realidade dos estados e municípios derruba o argumento. A esmagadora maioria deles usa mais de 80% dos recursos do Fundeb para pagar salários dos profissionais da educação. Cidades maiores, como São Paulo, utilizam todo o recurso do fundo e complementam com recursos próprios o pagamento da folha salarial.

Por último e não menos importante, a queixa de que se investe muito dinheiro na educação e essa não apresenta resultados. Assim, seria necessário que os recursos do Fundeb fossem repassados seguindo o critério de desempenho de cada rede. Quem apresentasse melhores resultados receberia mais recursos.
Para além de uma visão um tanto simplista de como funciona a educação e da ausência de consenso na literatura em relação à questão é importante lembrar qual a natureza do Fundeb. O fundo existe para garantir a mesma condição de partida entre os entes da federação, garantir equidade de recursos a todos. O ideal seria que programas de incentivo e de inovação fossem mais flexíveis, capazes de ser alterados a partir dos resultados apresentados.

Algo que deveria ser pensado é ampliar o controle social do uso dos recursos. Prever a criação de um Comitê Nacional de Acompanhamento do Fundeb, composto por representantes do Ministério da Educação, do Congresso, dos Profissionais da educação, dos Estudantes e da sociedade civil. Sua obrigação seria a de avaliar e dar transparência e publicidade anual à utilização dos recursos do fundo. E em linha com um dispositivo proposto na PEC, de revisões periódicas, também seria sua responsabilidade elaborar a cada 10 anos uma avaliação geral e propor ao Congresso eventuais mudanças na lei que se façam necessárias.

Independente de reparos que possam ser feitos, devemos elogiar a Comissão Especial do Fundeb por ter chegado ao consenso possível e que trará avanços substantivos, em particular aos municípios e alunos mais vulneráveis.

Crises como a que o Brasil vive impõem escolhas difíceis. Escolhas que pressupõem julgamentos de valor, calcadas em um balanço entre o que não aceitamos abrir mão e o que deixamos de lado, projetando o futuro. Que nossas deputadas e nossos deputados enfrentem esse dilema ético e sejam capazes de escolher garantir o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes que lhes são estranhos, por não lhes ser conhecidos. Mas que são feitos de carne, osso e sonhos. Que todos digam sim ao novo Fundeb.

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