Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Descrição de chapéu Coronavírus

O pesadelo do ensino remoto

A pandemia nos ensinou que ensinar não é um ofício simples

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Passados três meses de isolamento social multiplicam-se os relatos dos pais de crianças e adolescentes em idade escolar sobre a dificuldade de cumprir a jornada de trabalho e de educação dos filhos. Para aqueles milhões que perderam seus empregos por conta da crise ou estão impedidos de trabalhar, soma-se a preocupação com o sustento da família.

As crianças também estão cansadas de ficar em casa e se dividem entre o tédio, a dificuldade em acessar os conteúdos remotos e a saudade dos colegas de escola. Um pesadelo. Para onde vamos?

É difícil prever o desfecho em meio a situações de emergência, mas é possível lidar com elas de forma a ter o autocontrole necessário à tomada das melhores decisões.

No caso da educação em tempos de pandemia precisamos ter consciência de que por melhor que seja o processo de ensino remoto os estudantes não aprenderão o mesmo que aprendiam nas aulas presenciais, como mostram as evidências científicas.

As fragilidades do ensino remoto, as dificuldades de acesso à internet em um pais desigual e o fato das escolas não estarem prontas para oferecer adequadamente essa modalidade de ensino não implicam que nada deva ser feito, no curto e no médio prazo.

No curto prazo evidentemente trata-se de reduzir os danos causados pelo fechamento das escolas. Escolas públicas e privadas estão enfrentando esse desafio.

No mundo das instituições privadas, as escolas de elite já flexibilizaram o currículo. No Colégio Bandeirantes, por exemplo, os professores reorganizaram as atividades previstas no planejamento anual, em alguns casos invertendo a ordem das mesmas para que se deixasse para o ensino remoto atividades que pudessem ser contempladas facilmente nessa modalidade e se garantisse no retorno atividades que funcionem melhor em aulas presenciais. A escola também montou um plano específico para o terceiro ano do Ensino Médio, reconhecendo o momento delicado do último ano do ensino básico.

Redes grandes como a Somos, que atende cerca de um milhão e meio de alunos em todo país, apostaram no uso de aplicativos próprios e na orientação das equipes escolares para o uso da tecnologia e de processos padronizados. A rede também desenvolveu um engenhoso sistema de métricas capaz de garantir a informação relativa ao funcionamento das escolas e das atividades pedagógicas, algo fundamental em um negócio que conta com escolas próprias e de terceiros espalhadas por todo o país. E montou um centro de pesquisas que atua na fronteira entre neurociência e pedagogia, para compreender as melhores estratégias de ensino em sala de aula.

Nas redes públicas destaca-se a experiência de Minas Gerais, com 1,7 milhão de alunos e 200 mil professores ocupando mais de 3.600 escolas em quase todos os 853 municípios do estado. Não é uma operação trivial, não só pelo gigantismo, mas pela alta heterogeneidade dos alunos.

A Secretaria de Educação mineira combinou uma série de estratégias: o desenvolvimento em conjunto com os professores da rede de um material didático estruturado, aulas pelo Youtube e pela TV e o uso de um aplicativo por professores.

Segundo a Secretaria, 97% dos alunos receberam o material, há 700 mil espectadores diariamente conectados nas aulas pela TV e pelo Youtube e o aplicativo vem sendo utilizado regularmente por alunos e professores. Reconhecendo as dificuldades do percurso, o proximo passo será o de assegurar o acolhimento das equipes e dos estudantes, bem como a estruturação de um planejamento pedagógico que garanta com que os estudantes possam recuperar as aprendizagens.

Outra iniciativa importante nasceu no Congresso. A deputada Tabata Amaral e um grupo de deputados federais apresentaram o Projeto de Lei 3477/2020, que prevê que as operadoras de telefonia devam oferecer gratuitamente o acesso à internet aos alunos de escolas públicas de educação básica, para realização e acompanhamento de atividades de educação remota.

Em um mundo cada vez mais digital, o Brasil precisa entender a conectividade como um direito fundamental. É hora das nossas melhores cabeças desenharem esse caminho e seu financiamento público. O uso do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), criado por lei federal no ano 2000 com essa finalidade, é um bom caminho.

Flexibilizar o currículo, ter um bom sistema de informações e métricas de aprendizagem, apostar na conexão entre a escola, os estudantes e a comunidade escolar e investir na conectividade de todos os estudantes, independentemente de sua renda, são bons aprendizados das experiências citadas. Mas só acordaremos melhores desse pesadelo que tem sido o ensino remoto se formos capazes de repensar as praticas educacionais a partir dessa vivência.

A pandemia nos ensinou que ensinar não é um ofício simples e desvelou o enorme compromisso profissional dos educadores brasileiros. Nossa maior homenagem a esses profissionais deve ser acreditar também em sua capacidade de desenhar políticas as educacionais que implementarão.

A saída para a educação brasileira não virá do Vale do Silício. Mas pode vir de outro Vale, o do Jequitinhonha. Ou do Capão Redondo, em São Paulo. Acordemos.

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