Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Reabrir escolas é decisão da saúde, não dos pais

Se um pai tem o direito de não enviar seu filho à escola por receio de que este não estará seguro, como devem agir os professores caso tenham o mesmo receio?

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Com as escolas fechadas há mais de quatro meses, o setor de educação enfrenta a incômoda discussão de planejar o retorno em um ambiente ainda nebuloso, marcado pelas dúvidas de pais, professores e gestores sobre quando e como voltar às atividades de ensino presencial.

O Brasil registra há seis semanas a terrível marca de mil óbitos diários, ainda não há no horizonte próximo a perspectiva de uma vacina ou tratamento eficaz. Os pais se dividem entre aqueles que têm receio de enviar seus filhos à escola e os que, cansados da dupla jornada forçada ou precisando voltar ao trabalho, precisam dela. As experiências de retorno às aulas presenciais são múltiplas.

Cidades como Nova York, que não registra mais óbitos relacionados à Covid, devem iniciar o ano letivo em setembro com um rígido protocolo sanitário e a presença de no máximo dez pessoas por sala.

Haverá um rodízio de estudantes, que alternarão atividades presenciais e remotas integradas. A secretaria de educação local promete revisar e investir na melhoria da circulação de ar das escolas, ampliar a frequência da limpeza das áreas comuns, além de garantir equipamentos de proteção individual a todos.

Ainda nos Estados Unidos, cidades em regiões onde a pandemia não refreou prolongaram as atividades de ensino remoto, como é o caso de Indiana. Mesmo reconhecendo as limitações do ensino remoto e as dificuldades de acesso dos estudantes —a cidade gastou mais de U$$ 12 milhões com a compra de equipamentos para os estudantes das rede— a prefeitura entendeu que seria um risco voltar às aulas nesse momento.

Chicago se vê às voltas com um dos “efeitos colaterais” do ensino remoto na pandemia: os riscos de evasão e de baixo acompanhamento das atividades propostas.

A rede escolar possui cerca de 300 mil estudantes distribuídos em 251 escolas e iniciou as atividades remotas em abril deste ano. No fim de maio levantou o número exato de estudantes que realizaram as tarefas: 2.332 estudantes.

Após o esforço das escolas, esse número caiu para pouco mais de 500 em julho. O esforço vai continuar, especialmente nos bairros compostos predominantemente por latinos e negros, onde estão os estudantes em situação de maior vulnerabilidade.

A rede, que deve voltar em um modelo de ensino híbrido, com os estudantes frequentando a escola duas vezes por semana, se esforça para reduzir a zero esse número, realizando uma busca ativa dos estudantes e fornecendo computadores para estudo individual, à semelhança de outras cidades americanas.

Nem tudo vai bem. Uma pesquisa realizada em nível nacional reforçou que os estudantes das comunidades mais vulneráveis dedicam menos tempo aos estudos, têm mais dificuldade em realizar as atividades remotas e são menos acompanhados pelos professores que seus colegas em escolas de bairros mais abastados.

Assim como no Brasil, há duvidas quanto à eficácia do ensino remoto, pais divididos entre enviar ou não os filhos à escola na volta às aulas, professores resistentes ao retorno e sindicatos exigindo garantias de segurança nas escolas e propondo greves em caso de retorno presencial.

É compreensível que muitos pais queiram que seus filhos voltem às escolas. As crianças estão há muito tempo em casa, o que provoca problemas emocionais e físicos, dado o isolamento e o sedentarismo que a situação acarreta.

Há ainda um grande contingente de crianças que não tem condição de acompanhar adequadamente o ensino remoto. Aumento da ansiedade, obesidade e desigualdade são efeitos colaterais sérios da pandemia no Brasil.

De outro lado está a saúde. Para a grande maioria dos médicos o risco nem é tão grande para as crianças pequenas, uma vez que são em grande parte assintomáticas ou manifestam reações leves à contaminação pelo Covid-19.

O problema estaria no risco de contaminação dos profissionais da educação e no aumento da circulação nas cidades, o que seria um novo vetor de crescimento da doença, especialmente quando ela ainda não está controlada, como é o caso do Brasil.

Nesse contexto, a sugestão do Conselho Municipal de Educação de São Paulo para que a Secretaria de Educação do Município delegue aos pais a decisão sobre encaminhar ou não seus filhos à escola é discutível.

Mesmo que não seja esse o objetivo, a medida passa a impressão de que o município está se eximindo da responsabilidade de garantir a segurança e o mesmo nível de educação a todos.

Se um pai tem o direito de não enviar seu filho à escola por receio de que este não estará seguro, como devem agir os professores caso tenham o mesmo receio?

As escolas garantirão as mesmas oportunidades aos estudantes que frequentarão as aulas presenciais e à distância? Os pais de crianças que realizam suas principais refeições na escola têm mesmo escolha entre enviar ou não seus filhos?

O ideal seria delegar à saúde a responsabilidade pela decisão de quando e como abrir as escolas, assumir a liderança do processo, realizar uma pesquisa com pais e profissionais da educação, ouvir a comunidade e investir na comunicação adequada para tranquilizar a todos.

Em paralelo, planejar as medidas de segurança sanitária das escolas, de busca ativa dos alunos com risco de deixar os estudos e trabalhar na implementação das políticas educacionais corretas já tomadas, como é o caso do entendimento deste ano letivo e do próximo como um ciclo e da elaboração de materiais alinhados ao currículo da cidade.

Caso a decisão seja a de manter as escolas fechadas por mais tempo, a prefeitura deveria agir para apoiar as famílias mais vulneráveis, abrindo pólos de educação infantil ou até mesmo criando um programa de renda emergencial para famílias que têm crianças pequenas.

A área da educação está enfrentando uma crise para qual não há receita. Nessa situação o melhor a fazer é assumir a liderança, ouvir os especialistas, pais, professores, lideranças comunitárias e trabalhar para que todos, juntos, possam superar este triste momento com menos sofrimento.

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