Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

O apagão na educação pública

Atravessar maior crise da educação brasileira exigirá resiliência, diálogo e transparência

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Uma tempestade perfeita está se formando em torno da educação pública brasileira. O longo afastamento dos estudantes das escolas, o insucesso das políticas de educação remota, a proximidade das eleições municipais, a queda de arrecadação de estados e municípios, o receio dos profissionais da educação e dos pais em relação ao retorno às aulas e o fechamento de escolas privadas de educação infantil legarão aos futuros prefeitos, novos ou reeleitos, um passivo educacional e financeiro imensurável.

Nossos estudantes estão sofrendo com o longo período de isolamento e não estão aprendendo ou aprendendo muito pouco. Estamos diante da maior crise da história da educação brasileira.

Cinco meses de distância das escolas cobram um preço imediato. Recente pesquisa do Datafolha mostra que 75% dos estudantes brasileiros se sentem tristes, ansiosos ou irritados. Durante a pandemia foram registrados o aumento de violência doméstica e feminicídios no país. Enquanto entre os mais ricos registra-se um aumento no número de consultas psiquiátricas —conforme pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria— os mais vulneráveis sobrevivem à pandemia de forma mais dura e com pouca chance de escolha.

Do ponto de vista da aprendizagem o quadro não é menos dramático. O número de estudantes que não acessaram atividades de ensino remoto ainda é alto, mesmo com o enorme esforço dos gestores educacionais. A mesma pesquisa do Datafolha mostra que este chegou a 18% do total de estudantes em julho. Em números absolutos é algo assustador: são quase 8 milhões de alunos que desde o início do ano não realizaram nenhuma atividade educacional. O dobro da população do Uruguai.

Parte da dificuldade de acompanhamento das atividades se dá pela já conhecida falta de conectividade na maioria dos lares. A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo tomou uma medida correta recentemente. Ao perceber que muitos alunos nunca haviam se conectado à plataforma digital de ensino decidiu comprar tablets com chips de internet para todos os 465 mil alunos dos ensinos fundamental e médio, além da educação de jovens e adultos.

Importante que se tenha claro que ter acessado algum material de ensino remoto diz pouco. Realizar parte das atividades, conectar-se à plataforma em dias alternados por poucas horas, ou assistir a um programa de TV com um professor que desconhece e não ter alguém em casa capaz de acompanhar as atividades é a realidade de muitos estudantes da escola pública hoje.

As pesquisas mostram que nem os professores, nem a esmagadora maioria dos pais desejam o retorno às aulas nesse momento. O calendário político também não ajuda. Com as eleições municipais marcadas para novembro deste ano e o clima polarizado em que o país vive, dificilmente os prefeitos estariam dispostos a retornar antes do pleito, com receio do uso político de eventual repique no número de contaminados.

Independentemente de quando se dê o retorno às aulas, os próximos anos deverão ser dedicados à recuperação das aprendizagens, o que exigirá a ampliação de investimentos em formação de professores, a adoção de metodologias de ensino híbrido, protocolos de segurança sanitária mais rígidos no interior das escolas e políticas de apoio à conectividade das escolas e dos estudantes.

Os próximos prefeitos enfrentarão um aumento adicional da despesa, provocado pelo fechamento das escolas privadas de educação infantil e pela migração de alunos da rede particular para a rede pública.

Como último elemento da grave situação pela qual passará a educação pública nos próximos anos está a redução das receitas vinculadas à educação.

Simulações realizadas pelos economistas José Roberto Afonso e Kleber Castro prevêem uma queda dessas receitas em 2020 e 2021 da ordem de 11%, em um cenário mais otimista, a 32%, em um cenário mais pessimista. O novo Fundeb talvez alivie um pouco os municípios mais pobres, dado seu caráter redistributivo.

A tempestade perfeita que se forma no horizonte pode se transformar em um desastroso apagão educacional. Evitá-lo exigirá a adoção de um conjunto de medidas pedagógicas, orçamentárias, de recursos humanos e de integração com outras áreas de governo.

Do ponto de vista pedagógico —como já exposto— será necessário rever o currículo nos próximos dois anos, formar professores e organizar as escolas para responder à essa nova realidade.

Do lado administrativo, procurar mais eficiência no gasto, readequando o quadro de despesas da educação atual para destinar os recursos para as atividades estritamente educacionais. Em um setor onde a proporção de profissionais pertencentes ao grupo de risco é alta, não se pode pensar em retomar aulas sem o devido levantamento dos casos e o encaminhamento das soluções de substituição.

Os estados e municípios deverão ainda articular uma rede de proteção social, com a integração das áreas da saúde, educação e assistência social para apoiar os estudantes e suas famílias. Os agentes de saúde da família, por exemplo, podem ser aliados importantes no combate à evasão escolar.

Atravessar com segurança este momento turbulento exigirá das lideranças educacionais resiliência, disposição ao diálogo, transparência, capacidade de comunicação, cooperação e convergência. Vamos sair dessa.

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