Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Educação antirracista é condição para interromper o genocídio negro

Tratamos casos como o de Beto Freitas como um desvio e não como efeito de uma característica da nossa sociedade

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Beto Freitas, 40, foi assassinado por asfixia diante de 15 testemunhas em um supermercado Carrefour de Porto Alegre. Antes dele, vieram Pedro Gonzaga, 19, asfixiado por um segurança em uma unidade do supermercado Extra no Rio de Janeiro e João Victor, 13, agredido e arrastado para fora de uma loja do restaurante Habib’s em São Paulo.

O traço comum nesses casos, além do racismo, é a forma como nós brancos e a imprensa comumente os tratamos. Tendemos a individualizar a análise, pedimos justiça, demonstramos empatia, choque e nos solidarizamos com a família das vítimas. Ao tratar esses casos como algo singular, perdemos sua dimensão universal: esses crimes evidenciam o racismo estrutural presente na sociedade brasileira.

É por tratar desses casos como um desvio e não como efeito de uma característica fundante da nossa sociedade que as reações são sempre as esperadas: as empresas demitem seus seguranças e as autoridades emitem notas de repúdio. Enquanto isso, os negros continuam vítimas de violência física e simbólica, como quando chamam mais a atenção dos seguranças do que dos vendedores ao adentrar uma loja qualquer.

Há um verdadeiro genocídio negro no Brasil. Segundo o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança pública de 2020, três em cada quatro vítimas de crime violento no Brasil são negros. Dois em cada três policiais mortos no Brasil são negros. Os negros formam a maioria da população carcerária e das vítimas de violência policial. Voltou a ser comum o ataque a centros que abrigam religiões de matriz africana.

O racismo reforça a desigualdade no Brasil, em todas as suas dimensões. Não vamos superá-lo sem uma mudança profunda em nossas instituições públicas e privadas. A educação é um instrumento poderoso e necessário para desnaturalizar o racismo.

A lei federal 11.645 de 2008 regulamentou a obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena nos ensinos fundamental e médio. A despeito de alguns avanços, sua aplicação ainda esbarra no preconceito de muitos educadores, na ausência de materiais didáticos adequados, na formação dos professores e na resistência das escolas.

A construção de uma escola antirracista vai além de tirar do papel a lei 11.645. É preciso operar uma mudança na formação de todos os seus profissionais. A escola deve cumprir seu papel de ser um espaço de aprendizagem que permita aos estudantes conviverem com as diferenças sem anular aquilo que constitui sua identidade.

O compromisso real se inicia na educação infantil, com a adoção de uma pedagogia centrada na compreensão e valorização das diferenças. Nessa etapa o corpo e o cabelo são elementos de formação da identidade. Em vez de seguir — por ação ou omissão — reforçando o padrão eurocêntrico da pele branca e do cabelo liso, a escola deve proporcionar às crianças rodas em que repensem esses padrões e valorizem a diversidade. Prender o cabelo, alisá-lo ou raspá-lo em busca de aceitação não deveria é uma violência à identidade das crianças pequenas.

Nas demais etapas de ensino, os estudantes pretos abandonam a escola em maior proporção e têm desempenhos educacionais inferiores aos brancos, dada a diferença de oportunidades educacionais entre os dois grupos, desde cedo. A criação de indicadores e metas de redução da desigualdade educacional, bem como a adoção de políticas específicas para alcançá-las é o melhor caminho a ser seguido, além das já citadas.

Há um movimento de pais de escolas de elite em São Paulo para que estas tenham um projeto antirracista. Algumas já estão propondo bolsas de estudos a estudantes negros. É meritório e saudável, mas não basta. É preciso investir na formação dos profissionais e no projeto pedagógico da escola e em medidas de apoio pedagógico e emocional para que os estudantes negros possam melhor frequentar ambientes ainda primordialmente brancos.

Os assassinatos de Beto Freitas e de tantos outros não foram fruto de desvios individuais, mas resultados de uma sociedade estruturalmente racista. Ampliar políticas de ação afirmativa, reformar instituições públicas e privadas são ações para que rompamos com nosso falso e perverso pacto racial brasileiro, que ceifa vidas e sonhos. Mas é preciso mudar a educação. A educação antirracista é condição para interromper o genocídio negro.

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