Findo o segundo turno das eleições municipais, os jornais foram coalhados de análises contábeis sobre vencedores e vencidos, utilizando critérios vários transformando a foto —o resultado de uma eleição— em filme: este resultado determinará o futuro político de partidos e lideranças nas próximas eleições.
Não entro nessa seara pois creio que eleições municipais têm uma dinâmica própria: o povo dá um voto de confiança àqueles que acreditam ser mais capazes de resolver as agruras reais do presente e projetar um futuro melhor e mais seguro.
Falta emprego, há mais gente morando na rua, as escolas ficaram fechadas durante quase todo o ano letivo, as experiências de ensino à distância fracassaram e a pandemia drenou todos os recursos da saúde, o que aumentou a fila e o medo daqueles que precisam da rede pública para outros procedimentos.
O povo, sábio, realizou sua escolha em duas fases. A primeira julgando se os detentores de cargos deveriam ou não permanecer, com base no que realizaram ou não. A segunda em quem traria mais segurança em levar o barco ao outro lado do rio em meio à maior tempestade enfrentada nessa geração de brasileiros.
Ao contrário de 2018, nesta eleição não tratamos de fantasmas, discursos fáceis, da antipolítica, mas dos problemas de gente de carne e osso.
As eleições no Rio de Janeiro e em São Paulo, à sua maneira expressam os recados do eleitor. Os cariocas trouxeram de volta Eduardo Paes, que foi um prefeito popular, realizador e, sobretudo, que sempre expressou o gosto que tem por administrar a cidade, algo incomum em uma função que muitas vezes é vista como um trampolim para vôos mais altos na política.
São Paulo, complexa como é, deu mais de um recado. O primeiro, ao reeleger Bruno Covas. O prefeito reeleito enfrentou um drama pessoal duríssimo e problemas em série na cidade. Além de apresentar essas questões ao eleitor sua campanha foi hábil em organizar o jogo no campo da experiência administrativa, que dialoga com o anseio de segurança da população.
São Paulo deu outro recado, que vale para todos os prefeitos e prefeitas eleitos, ao levar Guilherme Boulos ao segundo turno e aquinhoá-lo com uma votação expressiva: experiência administrativa é condição necessária, mas não suficiente.
A experiência deve estar a serviço da redução das desigualdades, que foram ampliadas durante a pandemia, especialmente na educação, dado o abismo que enfrentaram os estudantes das escolas públicas em relação aos seus colegas de escolas privadas.
Hoje temos 22 milhões de estudantes das redes municipais fora da escola. As aulas voltarão —e devem voltar— antes da vacina. Quais as providências foram tomadas para dar mais ventilação às salas de aula? Que tipo de formação foi dada aos professores para lidar com salas de aulas ainda mais heterogêneas, que deverão ser desmembradas por motivos de biossegurança? Como organizar a educação infantil, onde o rodízio é ineficaz? Como dar segurança aos profissionais da educação e à comunidade escolar nesse retorno?
É hora de revisar em cada escola pública os procedimentos de biossegurança, protocolos de comunicação com os pais e com os alunos, além de realizar as obras necessárias à nova realidade e fazer atividades de acolhimento dos professores que os deixem seguros para retornar à sala de aula.
Como os estudantes terão vivido trajetórias distintas nesse ano longe da sala de aula, é necessário formar os professores como se fossem lidar com salas multisseriadas. O Brasil e a América Latina têm experiências importantes na área que poderiam servir de inspiração nesse momento de retorno. Assim como as metodologias utilizadas em classes de aceleração, obviamente com um desenho adaptado a esses tempos e de cunho provisório.
Uma eleição não é uma “carta branca” a quem venceu. É um recado do eleitor. O recado este ano foi o de que prefeitos e prefeitas devem priorizar os mais vulneráveis e atuar para reduzir as desigualdades. Na educação isso passa pelo retorno às aulas presenciais de forma segura e planejada. Hora de arregaçar as mangas!
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