Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

Reconciliação

Falta hoje projeto que dialogue com o novo Brasil, complexo e multifacetado

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Se um brasileiro adulto entrasse em sono profundo em dezembro de 2010 e acordasse no dia 6 de abril de 2021 certamente seria tomado de espanto ou imaginaria estar vivendo alguma alucinação.

O período compreendido entre os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso e Lula foi marcado por grandes conquistas da democracia e, porque não dizer, da política. O país domou a hiperinflação, universalizou o ensino fundamental, incluiu os pobres e os negros na universidade, reduziu a desigualdade, consolidou o Sistema Único de Saúde (SUS), o programa de saúde da família e o premiado programa de combate à Aids, criou um dos mais sofisticados sistemas de transferência de renda do mundo –o Bolsa Família–, aperfeiçoou a legislação ambiental e os órgão de controle, fortaleceu as políticas de direitos humanos, dentre outros avanços. O Brasil de dezembro de 2010 crescia e tinha taxa de desemprego baixa. Nosso “brasileiro imaginário” dormiu otimista…

Em 6 de abril de 2021 a história é outra. O país bateu o recorde de mortos na pandemia do coronavírus, com 4.211 óbitos em 24 horas. Mais da metade dos brasileiros (117 milhões de pessoas) vive em situação de insegurança alimentar, sem saber se terão comida na mesa no dia seguinte, e 19 milhões passam fome. Para dar conta desse problema o Governo Federal propôs um auxílio emergencial médio de R$ 250, que representam R$ 8,30 por dia. Lembrando que a linha de pobreza extrema definida pelo Banco Mundial é a de pessoas que vivem com menos de R$ 10,60…

A Câmara Federal aprovou um projeto que permite às empresas privadas comprar vacinas contra Covid-19, inclusive as não aprovadas pela Anvisa, furando a fila de vacinação e criando um “apartheid sanitário”. Milhões de estudantes do ensino básico estão fora da escola, boa parte deles sem acesso algum ao ensino remoto.

A sociedade se mobiliza como pode, com indivíduos e empresas doando bilhões de reais em insumos, leitos hospitalares, alimentos, itens de higiene pessoal e outros.

A despeito da enorme, meritória e necessária demonstração de solidariedade e esforço, só o Estado, de forma organizada, é capaz de fazer frente a crises da proporção que vivemos. O mesmo Estado cuja capacidade gerencial vem sendo destruída pelo atual governo. No alto escalão foi instituída uma “porta giratória” movida a idiossincrasias, como no caso da Saúde e da Educação, com quatro ministros cada uma em apenas dois anos. Órgãos reconhecidamente técnicos como o Inep –responsável pelas avaliações educacionais e pelo Censo Escolar– e o Inpe –que tem um papel fundamental no monitoramento do desmatamento da Amazônia– estão sendo esvaziados.

O que nos trouxe até aqui não foram meramente o resultado de uma disputa eleitoral, a judicialização da política ou os (muitos) erros dos políticos e governantes pós 2010. Foi sobretudo a cisão entre o sistema político e o povo.

Somos um país mais complexo e dividido do que há 10 anos. Os desafios da economia e do mercado de trabalho mudaram. Temos uma enorme massa composta por desempregados, trabalhadores precarizados e proprietários de pequenos negócios. As pessoas se informam cada vez mais pelas redes sociais, sem a intermediação do jornalismo profissional. A religião evangélica e suas vertentes ocupam um espaço crescente na sociedade e, ao contrário do que muitas vezes se imagina, não são um monolito, mas têm uma influência relevante na questão dos valores morais e demandas sociais em construção.

Todas essas mudanças exigem da educação e da política uma transformação ainda distante.

No caso da educação, além do básico –garantir a aprendizagem dos estudantes– é fundamental uma transformação nos métodos de ensino. Os estudantes precisam ser provocados a “aprender fazendo”, colaborando, pesquisando, argumentando, criando e desenvolvendo senso crítico. Se há uma oportunidade que essa terrível pandemia nos dá é a de dar um novo significado às atividades presenciais na escola.

Já na política o trabalho é mais duro. É ingenuidade pensar que partidos políticos não buscam hegemonia. Também o é imaginar que a dinâmica eleitoral não implique a busca de polarização, a escolha de um “adversário ideal”, ou de “espantalhos”.

Fernando Henrique e Lula foram bons presidentes não só pelas suas inegáveis habilidades, mas porque as plataformas que representavam dialogavam com seu tempo. O que falta hoje –e a precoce corrida eleitoral já aponta– é um projeto que dialogue com esse novo Brasil, complexo e multifacetado. A reconciliação entre a política e seu povo passa por isso.

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