Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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É a Pedagogia, bebê!

Não se trata de negar que a tecnologia pode apoiar a educação, mas pesar em como esta se integra ao projeto das escolas

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"Muito do que a Khan Academy descobriu em 2019 sobre o ensino de matemática auxiliado por computador, depois de mais de US $ 100 milhões em investimentos filantrópicos, poderia ter sido encontrado em trabalhos acadêmicos publicados na década de 1990."

A citação acima foi retirada do livro "Failure to disrupt", de Justin Reich, lançado no fim do ano passado. A Khan Academy, uma plataforma digital de videos curtos com problemas matemáticos —depois expandida para outras áreas— era a promessa de "disrupção" na educação nos anos de 2010.

Salman Khan, seu fundador, seria uma das lideranças que promoveria uma revolução na educação, com os estudantes aprendendo online seguindo seu próprio ritmo e os professores atuando como tutores ou facilitadores de grupos de alunos.

Para testar suas idéias, Khan fundou uma escola no Vale do Silício, a Khan Lab School. Ao se defrontar com o mundo real a "revolução disruptiva" se transformou em uma reforma incremental, com o empreendedor reconhecendo que o melhor uso da sua plataforma é de forma complementar, com os estudantes dedicando até uma hora por semana à mesma.

E é assim que vem sendo utilizada mundo afora, com professores e estudantes combinando seu uso com outros materiais de forma mais ou menos criativa e eficaz.

Douglas Ready, professor e pesquisador da Universidade de Columbia em Nova York, liderou em 2019 a avaliação do programa "Teach to One", uma plataforma de ensino personalizado de matemática de uma edTech financiada por instituições filantrópicas americanas há mais de 10 anos.

Os algoritmos da plataforma customizam trilhas de aprendizagem para cada estudante de acordo com seu desempenho e aprendizagem esperada.

O estudo foi encomendado pelo Departamento Nacional de Educação dos Estados Unidos, que incentiva e avalia o impacto de projetos inovadores na educação básica. Os pesquisadores compararam os resultados de estudantes do sexto ao oitavo ano do ensino básico matriculados em escolas que substituíram as aulas de matemática pelo uso da plataforma com aqueles matriculados em escolas com ensino "tradicional". Ao longo dos três anos estudantes de mesmo nível socioeconômico não registraram resultados distintos nos dois grupos.

O rico distrito de Mountain View, no coração do Vale do Silício, resolveu adotar a Teach for One em duas de suas escolas. Após alguns meses e diversas reclamações encaminhadas ao departamento de educação, 61% dos pais solicitaram que seus filhos voltassem às aulas de matemática em sala de aula.

Estas e outras experiências são importantes para que gestores educacionais reflitam sobre o uso das tecnologias na educação. Às platitudes já comuns como "temos alunos do século 21 em escolas do século 19", "enquanto os estudantes têm acesso à tecnologia as aulas ainda são à base de cuspe e giz", "os professores são resistentes ao uso da tecnologia em sala de aula" soma-se uma nova: "os professores perderam o medo da tecnologia".

Após mais de um ano com as escolas fechadas ou funcionando em sistema de rodízio, o que se vê é diferente: professores estressados, estudantes com dificuldades de manter o interesse no ensino remoto, além de um enorme contingente de estudantes que sequer participaram de alguma atividade proposta pelas escolas. Os primeiros estudos de impacto do ensino remoto sobre a aprendizagem apontam um cenário desastroso no Brasil e no mundo.

Não se trata de negar que a tecnologia pode apoiar a educação, mas pesar em como esta se integra ao projeto pedagógco das escolas. Organização escolar, comunicação com os pais e todos os processos internos devem ser mediados por tecnologia. Bibliotecas virtuais, acervos de diversas mídias devem estar disponíveis aos estudantes. Antes de adotar soluções "disruptivas" de uso pedagógico é importante dar às tecnologias educacionais seu devido lugar: são mais um material, como os livros e o giz...

Ensinar não é transmitir conhecimento, nos ensinou Paulo Freire, o primeiro secretário de educação a implantar salas de informática nas escolas, no início dos anos 1990. A garantia de conectividade e tecnologia são insumos obrigatórios, mas não panacéias para a aprendizagem.

A "nova escola" que surgirá será tão mais potente quanto conectada ao seu projeto e quanto seus professores estiverem vinculados a ele. Nesse sentido, investir na formação dos professores como "designers de experiências de aprendizagem" que saibam incorporar as diversas tecnologias disponíveis de forma que façam sentido aos seus alunos é o melhor caminho para que as telas dos gadgets sejam janelas, não paredes de concreto.

Agradeço a contribuição do professor Paulo Blikstein a este artigo e o dedico ao educador Miguel Thompson, que se foi muito cedo, sem contudo deixar de espalhar sua crença nos educadores brasileiros e no papel transformador da educação.

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