Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

Não existe geração perdida na educação

Dar a uma geração o emblema do fracasso é cruel e antipedagógico

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Segundo filho de uma família de 13 irmãos, José foi alfabetizado aos sete anos por um primo de seu pai e por uma tia. Aos dez anos foi matriculado no grupo escolar do pequeno povoado de Buritizal, em Minas Gerais. Com o falecimento da única professora da cidade, interrompeu os estudos no 2º ano. Retornou à escola aos 15 anos e terminou o 3º ano. Aos 22 anos mudou-se para São Paulo. O ano era o de 1947 e seu objetivo, o de terminar os estudos. Entre o trabalho e o supletivo, concluiu o ensino médio. Aos 28 anos de idade, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde se tornou livre-docente aos 43. José Afonso da Silva é um dos maiores juristas brasileiros e um exemplo de que é possível aprender sempre.

Os americanos gastaram cerca de US$ 4 trilhões com a Segunda Guerra Mundial. No último ano da guerra (1945), o gasto foi equivalente a 40% de seu produto interno bruto. Todo esse esforço drenou o orçamento americano. Com a educação não foi diferente. Em 1944, apenas dois terços dos professores ativos no início do conflito permaneciam em sala de aula. O número de alunos matriculados no ensino médio caiu de 6,7 para 5,5 milhões entre 1941 e 1944, dada a elevadíssima evasão escolar.

Andrea Ichino e Rudolf Winter-Ebmer publicaram em 2004 um estudo em que calcularam as perdas de aprendizagem de estudantes matriculados no ensino fundamental durante ou imediatamente após a Segunda Guerra. Comparando os resultados de indivíduos de dois países envolvidos diretamente no conflito –Alemanha e Áustria– com estudantes suíços e suecos, chegaram a uma perda educacional da ordem de 20%, um número altíssimo.

A “geração perdida” de estudantes do período entre a Segunda Guerra e imediatamente após é aquela que engendrou um dos períodos mais criativos do século passado com a explosão dos movimentos da contracultura e da mais sofisticada produção humana: a arte. O cinema, a música, o teatro, as artes plásticas, a estética, os símbolos, a política, a ciência e o jeito de viver nas sociedades ocidentais foram profundamente transformados por essa geração e seus efeitos ainda reverberam mais de 50 anos depois.

Tudo isso não se deu por obra do acaso, pela energia ou criatividade represadas. O fortalecimento do Estado e a adoção de políticas públicas visando a reconstrução dos países no pós-guerra, sua economia, a proteção social e a educação tiveram papel importante, senão fundamental. O Estado importa, especialmente quando se volta ao desenvolvimento humano, especialmente dos mais vulneráveis.

No Brasil e em boa parte do mundo, o termo “geração perdida” vem sido constantemente utilizado para se referir aos estudantes que interromperam a frequência à escola.

Evidentemente não se deve relativizar o sofrimento global imposto pela pandemia da Covid e seu impacto na educação, que recaem mais fortemente sobre os mais pobres, os negros e as crianças. Mas dar a uma geração o emblema do fracasso é cruel, antipedagógico e, sobretudo, um escudo que exime a sociedade e o poder público de sua obrigação de garantir o desenvolvimento pleno de suas crianças e jovens.

A história e a vida na escola nos mostram que é possível aprender sempre, que o que se aprende não se “perde” e a importância da motivação intrínseca, do estímulo de um educador e de um ambiente favorável à aprendizagem em casa e na escola.

Nesse momento, além da adoção de políticas educacionais adequadas e políticas intersetoriais de apoio aos estudantes e suas famílias –sobre as quais já tive oportunidade de escrever neste espaço–, precisamos de lideranças no campo educacional que acreditem na capacidade de todos os estudantes, das escolas e de seus educadores e promovam uma mudança de mentalidade que começa a se formar de que estamos diante de um jogo “perdido”.

Como nos ensinam os atletas olímpicos, as vitórias vêm com esforço, dedicação, alguma renúncia, sofrimento e confiança na vitória. Ninguém entra em campo para perder. Para um educador não existe “geração perdida” na educação.

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