Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider
Descrição de chapéu desigualdade de gênero

É preciso discutir gênero nas escolas

Não devemos temer uma educação que cumpra sua função emancipatória

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"Elas são fáceis, porque são pobres", disse o deputado Arthur do Val. "As mulheres têm o prazer de escolher a cor das unhas e o sapato que vão calçar", pensou estar homenageando o procurador-geral República, Augusto Aras. "Hoje em dia, as mulheres estão praticamente integradas à sociedade", declarou nosso presidente.

"Não tem esse negócio de ensinar você nasceu homem, pode ser mulher. Respeito todas as orientações. Mas uma coisa é respeitar, incentivar é outro passo", afirmou o ministro da Educação, Milton Ribeiro.

As frases citadas demonstram tanto o longo caminho a percorrer para a redução das desigualdades entre homens e mulheres no Brasil quanto o desconhecimento do que é a abordagem da questão de gênero nas escolas. Não se trata –como parece crer nosso ministro– de incentivar meninos e meninas a buscar uma orientação de gênero qualquer, mas a de combater os diversos tipos de violência simbólica e física, dentro e fora das escolas, a que são submetidos especialmente as mulheres e a população LGBTQIA+.

Alunos assistem a uma aula em escola estadual na capital paulista - Karime Xavier - 2.fev.2022/Folhapress

De acordo com a pesquisa "Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil", do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma em cada quatro mulheres com mais de 16 anos –cerca de 17 milhões delas– diz ter sofrido algum tipo de violência ou agressão física, psicológica ou sexual no ano de 2020. Metade dos casos ocorreu dentro de casa e 73% dos agressores eram do círculo íntimo das vítimas.

Com a população LGBTQIA+ não é diferente, com muitos casos de violência ocorrendo dentro das escolas, como recentemente se observou nas inaceitáveis agressões sofridas por duas meninas trans dentro de escolas públicas nas cidades de Niterói (RJ) e Mogi das Cruzes (SP).

É papel da escola e das famílias abordar a questão da violência de gênero e, sobretudo, ajudar na construção de ambientes seguros para o desenvolvimento pleno das potencialidades de todas as crianças e jovens, independentemente de gênero ou orientação sexual. Ao contrário do que pode parecer crer nosso ministro, essa é a melhor forma de "respeitar todas as orientações".

Não é apenas a violência que nos salta aos olhos que deve ser objeto de nossa preocupação. Há um outro tipo, mais sutil e perverso, que deve ser combatido, aquele que contribuiu para a definição do "lugar" de cada um.

A escola precisa repensar em como o ambiente escolar contribui para reproduzir estereótipos de gênero. Ainda é comum desde a educação infantil até as aulas de educação física nos anos seguintes estabelecer jogos, brincadeiras e atividades "de meninos" e "de meninas". Desconstruir os estereótipos de gênero implica construir um espaço de respeito à individualidade de todos.

Também é usual a escola reproduzir estereótipos de gênero. Há alguns anos, conheci uma professora que me relatou que na época do ensino básico gostava tanto de química que chegou a imaginar que poderia ter sido engenheira química. Quando lhe perguntei porque não seguiu sua intuição, me disse que "achava que não era o ambiente para ela", tendo seguido carreira na área de humanas.

Este caso não é incomum. Nossas escolas –e boa parte das escolas no mundo– ainda operam com "expectativas de gênero". A mais usual é a de que matemática e ciências são "áreas de meninos". Os meninos acabam obtendo melhores resultados em matemática nas avaliações externas do que as meninas e as carreiras vinculadas às áreas de matemática e ciências permanecem com um maior número de homens do que de mulheres. Romper com essas expectativas e incentivar as meninas a descobrir a ciência e a matemática são estratégias necessárias para reverter esse quadro.

Em um país com altas taxas de gravidez na adolescência, baixa representação das mulheres em espaços de poder, altos índices de violência de gênero, diferenças salariais entre homens e mulheres que exercem a mesma função e uma maior presença de homens em carreiras melhor remuneradas é fundamental que as escolas adotem em seus projetos a abordagem de gênero. Não devemos temer uma educação que cumpra sua função emancipatória.

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