Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Priorizar as crianças e os adolescentes é garantir um futuro justo, inclusivo e sustentável

Governos devem se organizar para garantir o bem-estar das pessoas

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A cena é conhecida daqueles que ocuparam o primeiro escalão da administração pública. A pessoa que comanda o Executivo insta cada responsável pelos setores da administração a listar números e resultados de suas áreas. Em momento algum a discussão deriva para o índice de bem-estar das pessoas, uma das razões de ser do Estado.

Número de casas entregues, vagas em creche, escolas novas, quilômetros de estrada, de ruas asfaltadas, leitos de hospital, passam a ter mais relevância que a saúde das cidades e das pessoas, o aprendizado das crianças e adolescentes, a mobilidade urbana.

Evidentemente não se trata de deixar de medir e planejar obras e serviços públicos setorialmente, mas seria importante que os governos se organizassem a partir da dimensão do bem-estar das pessoas no território. O que é mais importante? Quilômetros de corredor de ônibus entregues ou a redução do tempo entre casa e trabalho?

No caso das crianças e adolescentes a situação é ainda mais grave. Seu desenvolvimento pleno depende da articulação de múltiplas políticas setoriais: segurança alimentar, saúde, educação, renda, saneamento básico, proteção social, cultura, esporte, lazer, entre outras.

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Menina de 5 anos, aluna de escola municipal de São Paulo, tenta escrever o próprio nome. O fechamento prolongado das escolas por causa da pandemia pode levar o Brasil a ter 70% das crianças do ensino fundamental sem conseguir ler e compreender, aponta estudo do Banco Mundial - Marlene Bergamo - 13.de.2020/Folhapress

Crianças não aprendem com fome, sua saúde é colocada em risco ao viver em habitações precárias, sem água e esgoto tratados, ou quando são vítimas de violência doméstica. Adolescentes precisam ter acesso a atividades esportivas, culturais e de lazer e de uma escola que acolha e apoie seus projetos de vida.

Na enorme crise que vive o país é um alento o lançamento pela sociedade civil da Agenda 227. Elaborada por 150 organizações da Sociedade Civil divididas em 22 grupos temáticos, a agenda parte de alguns princípios. O primeiro deles é o de que não haverá desenvolvimento inclusivo e sustentável no Brasil sem a garantia dos direitos da infância e da adolescência. O segundo é o de que a garantia desses direitos se constitui no cumprimento do artigo 227 da Constituição Brasileira, e de leis vigentes como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Marco Legal da Primeira Infância, e outros.

O artigo 227 da Constituição Brasileira indica que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de "assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Cumprir a lei —por vezes um ato revolucionário no Brasil— é alicerçar o futuro do país no apoio ao pleno desenvolvimento dos cerca de 54 milhões de brasileiros de 0 a 18 anos, por intermédio de políticas públicas articuladas a partir da garantia dos seus direitos.

As crianças e adolescentes brasileiros são as principais vítimas da crise que assola o país. Hoje mais de 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil. Um em cada quatro dos domicílios onde a fome impera é composto por três ou mais pessoas com 18 anos ou menos, segundo a pesquisa da Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional). Se considerarmos que 125 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar —não sabem o que e se vão comer hoje— é possível imaginar o quanto estamos ceifando o futuro do país, ao permitir que um enorme contingente de crianças e adolescentes carreguem ao longo da vida as sequelas de viver com fome na infância.

Ao priorizar crianças e adolescentes, garantimos os direitos de todos, pois observamos a necessidade de apoiar suas famílias e responsáveis. Mais do que as 148 propostas em diversas áreas, o que o movimento que criou a Agenda 227 nos traz de importante é a necessidade de adoção de uma política integrada para a infância e a adolescência, não um conjunto de boas políticas setoriais.

Vejamos o caso das boas iniciativas na área educacional. O estado de Pernambuco é reconhecido pela sua boa política no ensino médio, com destaque para sua política de educação em tempo integral, com adolescentes de 40% da rede permanecendo 10 horas por dia na escola. Em 2019, apenas 7% dos estudantes de Pernambuco alcançaram a proficiência adequada em matemática ao fim do ensino médio, segundo a última Prova Brasil, exame nacional realizado pelo Ministério da Educação. Isto é sinal de que a política é ruim? Não. É sinal de que uma boa política educacional sozinha nem sempre resolve os problemas educacionais.

O desenvolvimento das pessoas e das nações se dá em múltiplas dimensões. Organizar os governos e as políticas públicas a partir da compreensão de que estas não são divisíveis é o caminho adequado para que nenhuma delas seja negligenciada. Priorizar as crianças e os adolescentes é garantir um futuro justo, inclusivo e sustentável ao Brasil e a todos os brasileiros.

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