Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

Senado pode estancar a destruição da educação pública brasileira

É cruel reduzir receitas em um momento de aumento da demanda por esses serviços

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Os graves desafios enfrentados pela educação brasileira, por ação ou omissão do governo federal, vêm ganhando contornos ainda mais dramáticos. Os últimos capítulos deste filme B de terror se deram mais recentemente, com a aprovação na Câmara dos Deputados das leis que legalizam o ensino domiciliar e da lei que reduz a arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre energia e combustíveis pelos estados.

O Brasil já não vinha bem na educação, como demonstram os indicadores pré-pandemia. Naquele momento, ainda atendíamos menos de 40% das crianças em idade de creche nas escolas, a meta de universalização da pré-escola, prevista para 2016, estava longe de ser alcançada, apenas metade dos estudantes completava os nove anos do ensino fundamental sem reprovar ou evadir da escola e só 65% dos jovens de 19 anos completava o ensino médio. Entre os que completaram o ensino médio naquele momento, apenas 10% aprenderam o esperado em matemática.

Aluna em escola da rede estadual de São Paulo - Karime Xavier - 2.fev.2022/Folhapress

Ainda não temos um painel consolidado da aprendizagem no Brasil, mas os dados iniciais de avaliações promovidas por alguns estados evidenciam a tragédia prevista: os estudantes que não frequentaram a escola por conta da pandemia obtiveram resultados piores em testes padronizados do que seus colegas que frequentaram a escola. O ensino remoto fracassou e da pandemia emergiu uma constatação tão óbvia quanto os maus resultados dos estudantes em avaliações padronizadas: a escola faz diferença. E é exatamente pelo fato de a escola fazer diferença que o Senado deve dizer não aos projetos recém-aprovados na Câmara dos Deputados que promovem a redução das receitas de ICMS e o que permite a adoção da educação domiciliar no Brasil.

O que une os dois projetos, além da aprovação de afogadilho, são a agenda eleitoral do governo federal e um "liberalismo de botequim", tão em uso neste país que nutre paixão por ideias fora do lugar.

O projeto que prevê a redução do ICMS sobre combustíveis e energia deve promover uma perda de receita aos estados de até R$ 84 bilhões, segundo o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal. Do lado dos municípios, a perda anual será de cerca de R$ 66 bilhões, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios.

A crise de energia é global e a previsão é de alta pelos próximos meses. Como não há nenhum mecanismo de proteção aos mais pobres, estes pagarão duplamente: pelos efeitos da alta de energia e combustíveis na economia como um todo e pela redução dos serviços públicos, especialmente de saúde e educação, cujos recursos são vinculados à receita de impostos. É cruel reduzir as receitas de saúde e educação em um momento de aumento da demanda por esses serviços.

A receita da educação nos estados é composta principalmente por 25% da arrecadação de ICMS e do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). No caso dos municípios, a quota parte do ICMS a que têm direito é um componente importante das receitas da educação, ao lado do Fundeb e outros impostos. Como o ICMS representa 60% da composição do Fundeb, a perda de receita será geral, mas ainda mais grave nos estados e municípios mais pobres.

O momento é absolutamente inapropriado para reduzir os recursos da educação. Há um afluxo maior de estudantes oriundos de escolas privadas para escolas públicas —o que amplia a necessidade de investimentos— e os efeitos danosos da pandemia, especialmente a evasão escolar, as questões relacionadas à saúde mental dos estudantes e dos educadores e os desafios de aprendizagem. É hora de buscar os alunos que deixaram a escola —só no ensino médio este número dobrou segundo o Censo Escolar recém divulgado—, criar programas voltados à saúde mental dos estudantes e dos profissionais, de recomposição das aprendizagens e outros. No momento em que a educação mais precisa de recursos está ameaçada de reduzir aquilo que já tem garantido.

A educação domiciliar, como já tive oportunidade de escrever nesta coluna, também é uma medida de componente ideológico-eleitoral. Ela abre a porta para a violação do direito das crianças e adolescentes frequentarem a escola, reduz a possibilidade de se desenvolverem em ambientes diversos e estruturados para promoção das aprendizagens e diminui a proteção social que encontram no ambiente escolar.

Em seu conhecido texto "A crise da Educação", Hannah Arendt afirma que "a educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele" e que "a educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós".

Que o Senado brasileiro rejeite as duas proposições e assuma sua responsabilidade com o futuro de milhões de crianças e jovens brasileiros, reafirmando o seu compromisso com a educação pública, já expresso nessa legislatura quando aprovou a lei que ampliou os recursos do Fundeb.

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