Délcio Carvalho se aproximou de Ivone Lara a partir de dois momentos difíceis na vida dela: em 1972, a morte por infarto do parceiro Silas de Oliveira, desgostoso pela desclassificação humilhante (5 a 0) no concurso de samba-enredo do Império Serrano. Em 1975, Oscar Costa, companheiro de Ivone havia 28 anos, também morreu de infarto fulminante.
Foi uma fase em que, inspirada em pontos de macumba e cantos orfeônicos, ela compôs muito, plasmando o estilo de melodia sofisticada e sinuosa, aberto ao improviso de irresistíveis laraiás. O método intuitivo só travava na hora de fazer os versos. “Não gosto de letra, não. Acho letra uma coisa muito chata, que só deve fazer quem sabe mesmo”, revelou Ivone à jornalista Mila Burns em entrevista para o livro “Nasci para Sonhar e Cantar”.
Aí entrava Délcio, com seu brilho de poeta soturno. O samba “Alvorecer” estourou com Clara Nunes em 1974 (“Olha como a flor se ascende/ Quando o dia amanhece/ Minha mágoa se esconde/ A esperança aparece”). Em 1976, Elizeth Cardoso gravou “Minha Verdade” (“Nada poderá/ Me afastar do que eu sou/ Amor é o meu ambiente”). Na modesta opinião deste colunista, a primeira delas está entre as melhores canções do gênero em todos os tempos.
“Sonho Meu”, mais famosa composição da dupla, entre as mais de 60 que fizeram, é exemplo da comunicação sensível entre os dois. “Ele ouvia a melodia e ficava inspirado na mesma hora. A gente ficava numa apreciação de um pelo outro, sabe? Nunca aconteceu de ele me mostrar uma letra e eu ficar na dúvida. De todas eu gostei”, elogiava Ivone.
Délcio Carvalho morreu em 2013, esquecido; Ivone Lara na segunda (16), consagrada com toda razão. Ao lado de Bide e Marçal, João Bosco e Aldir Blanc, Wilson Moreira e Nei Lopes, mostraram que pode haver perfeição nas parcerias do samba. “Quanta gente por aí que não terá/ A metade do prazer que sei gastar.”
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