Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

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Alvaro Costa e Silva

Um país para o sr. Naipaul

O que o escritor premiado com o Nobel diria do Brasil de hoje?

V.S. Naipaul, em hotel na capital paulista, em agosto de 1994
V.S. Naipaul, em hotel na capital paulista, em agosto de 1994 - Luiz Novaes - 25.ago.94/Folhapress

V. S. Naipaul era um brilhante jornalista que odiava dar entrevistas. Quando esteve em São Paulo, para a Bienal do Livro de 1994, o escritor britânico —nascido em Trinidad e Tobago numa família de imigrantes indianos— foi um nojo da cabeça aos pés em conversa com a repórter Maria Ercilia, da Folha: “Conheço mais do mundo que a maioria das pessoas. Não estou em periferia nenhuma. Estou muito mais no centro que você”. 

Esse é o problema com Naipaul, vencedor do Nobel em 2001, que morreu no sábado (11), aos 85 anos. A má fama pessoal —tinha um comportamento arrogante e insensível e foi acusado de agir como tirano em seus relacionamentos com mulheres— faz com que as pessoas se afastem de sua obra. Como ficcionista, deixou obras-primas: “Uma Casa para o Sr. Biswas”, “O Enigma da Chegada”, “Meia Vida”.

Como jornalista, viajou aos países muçulmanos não árabes (Indonésia, Irã, Paquistão, Malásia), testemunhando conflitos políticos, religiosos e culturais. Retratou África e Índia, numa prosa cristalina, enxuta, inteligente e cômica. Para escrever os livros, fazia o que não queria que lhe fizessem: entrevistas. 

As conclusões a que chegava são hoje politicamente incorretas. Mas teve a coragem de dizer o que pensava, a partir de profundas investigações de campo. Um leitor sem preconceito pode tirar as próprias conclusões.

Na Argentina, virou persona non grata depois de publicar em 1974 um ensaio na revista New York Review of Books. O mínimo que afirmava era que a sociedade de lá vivia sob um machismo degenerado, que se manifestava na preferência pelo coito anal com as mulheres.

O Brasil escapou das reflexões de Naipaul. O que diria ele do país com 175 assassinatos diários? Da alta casta que aumenta os salários pensando no próprio bolso? Dos quase 13 milhões de desempregados? Do Lula na cadeia?  Da corrida eleitoral? Da Ursal?

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