Por que a televisão, tão influente na vida do país, quase não aparece na literatura brasileira? Sérgio Porto ensaiou o tema em “A Donzela da Televisão”. Fernanda Torres mostrou alguns bastidores em “A Glória e Seu Cortejo de Horrores”. Comenta-se que o escritor Ivan Ângelo há anos trabalha num romance de fôlego sobre o assunto (tomara que ele chegue ao ponto final).
O recém-lançado “Os Últimos Dias em Preto e Branco” (Ponteio), de Marcus Veras, acerta o foco. Um grande elenco encaminha a trama ambientada no início na década de 1970: o executivo carreirista, o aspone incompetente, a jovem atriz que faz tudo em busca do estrelato, a aspirante a cantora que vem da favela, o velho galã obrigado a esconder sua homossexualidade, o jornalista de esquerda que recebe a tarefa de escrever um programa encomendado pelos militares no poder.
Um dos prazeres da leitura é descobrir quem foi quem na vida real, quem inspirou as personagens que trabalham na fictícia TV Carioca —emissora que tem muito das extintas TV Continental e TV Rio. Há pequenas aparições de gente de carne e osso: o cronista Mister Eco, a vedete Renata Fronzi, o maestro Erlon Chaves.
A atriz Lúcia Alves, cuja interpretação da personagem Índia Potira em “Irmãos Coragem” fez enorme sucesso, surge numa cena impagável. Apresentada ao coronel Bandeira —da linha dura e articulador do programa “A Vez do Brasil”—, ela se sente obrigada a explicar que a novela de Janete Clair é “uma obra de ficção”.
“O ano de 1970 é significativo porque a transmissão da Copa do Mundo confirmou o poder de comunicação que o veículo possuía. A partir daí surgiu em Brasília um grupo que criava peças de propaganda para a TV enaltecendo as conquistas do regime”, conta o escritor.
Passados quase 50 anos, a televisão continua no centro da política. A recente visita de Jair Bolsonaro a Silvio Santos é só um mero detalhe.
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